Regresso

Regresso do Sul, ainda com o corpo salgado pelo último mergulho apressado no mar da costa alentejana. Concluímos o périplo em Porto Covo, para matar saudades, num percurso praticamente feito em praias nudistas - nesta última, a Praia do Salto (ou dos Nus, como também é conhecida). Primeira etapa na Ilha de Tavira, com um parque a abarrotar de pouca civilização. Escapamos dois dias depois para a Quinta dos Carreços, na zona de Lagos; um parque com o triplo do tamanho e um terço da lotação do anterior, o que assumimos logo como um bom indicador. Tempo para concluir que não existe praticamente nudismo em Portugal, para comer bem e à farta peixe fresquinho, e ainda para visitar o único bar gay indicado na cidade, que estava vazio por causa das festas populares. No comboio, com a Chiara Mastrioanni e o Benjamin Biolay no walkman (o puto ao meu lado já nem devia saber que estranha geringonça era aquela), com as minhas havaianas praticamente desfeitas após 3 dias de uso, tentei não pensar no dia seguinte, que me preparava uma nova plateia de adultos de esperanças fixadas nos meus gestos e palavras. Fiquei sozinho, o Venus seguiu para o Marvão para se juntar a uns amigos para o resto das férias. A cama pareceu-me grande e fria; precisei de coragem para lá entrar...

Women on Waves


Porque todos os anos se realizam em Portugal entre 20 a 40 mil abortos ilegais e mais de 5.000 mulheres sofrem graves complicações de abortos feitos sem condições de higiene e segurança.

Porque em 2002 deram entrada nos serviços médicos 11.000 mulheres com complicações pós-aborto e 5 morreram.

Porque nos últimos 6 anos pelo menos 9.000 mulheres foram a Espanha fazer um aborto.

Porque o risco que as mulheres correm ao fazer um aborto ilegal é 150 vezes maior do seria se este fosse permitido por lei.

Porque em 2004 foram recolhidas 120.000 assinaturas a pedir um novo referendo sobre a despenalização do aborto, que foi rejeitado pelo governo.

Por estas e tantas outras razões as Women on Waves vêm a caminho de Portugal.

Um poeta é...

"O que é o abismo?
É um coração às moscas. "
Assim, como se fosse o maior truísmo do universo, responde o compadre Miguel (antes ou depois daquele inspirado jogo parecido com volley de praia?). Já era fã, mas os amigos são supeitos. Prefiro dar palavra às palavras...

Saciedade


Assusta-me a ideia de a boa comida nunca chegar, do sono nunca ser suficiente, do sexo nunca bastar, das viagens parecerem sempre poucas, das aventuras e amizades neste mundo nunca me chegarem a saciar...Mas se calhar o contrário ainda me assusta mais.

Estate


De Cabecerias de Basto, onde dormimos graças ao Monstrinho que nos emprestou a casa de família, partimos para Mondim de Basto. Um pulinho. Procuramos as indicações para Ribeira de Pena e, pelo meio de aldeias e muito cheiro a bosta, descobrimos um outro paraíso perdido: as quedas d'agua do Poio (rio que, apesar do nome pouco apelativo, é cristalino como um véu de noiva). O espaço convidou à prática de várias actividades ao ar livre: escalada, mergulho, leitura... entre outras que contribuem para a regeneração do corpo e da alma. No regresso, já espreitam as primeiras folhas vermelhas das videiras e os ouriços ainda verdes dos castanheiros, como que a relembrar que uma nova estação se vai seguir. Viva a Mãe Natureza!

Verão


Regressamos às Fisgas do Ermelo como pedaços de metal atraídos pelo íman, matéria humana empurrada para o seu ancestral ventre verdejante. Será a nostalgia das células de mil e uma reencarnações que nos traz aqui, a um pedaço de rocha escavado pela água no meio de um vale florestado? Atirei-me para o rio para reencontrar aquela luz subaquática que os meus velhinhos óculos deixam contemplar novamente. Depois estirei-me numa pedra e sequei a pele, protegendo os olhos do Sol com uma leitura. Repeti o ciclo banho-secar-ler várias vezes, até dar por concluído "Montedidio", um estranho romance numa prosa quase poética de um italiano saudoso de uma velha Nápoles, Erri De Luca. Enquanto mastigava o farnel espreitei o olhar de Venus e li neles a promessa de um noite agitada. Ultimamente tem sido assim, preciso de me entregar uma e outra vez, até que as minhas células percebam qual o seu novo papel no mundo.

?

Quem será?

All that jazz

Uma das minhas sensações preferidas é esta. Poder estar recolhido numa divisão da casa, com um grupo de amigos a desfolhar conversas lá ao fundo. Vou apanhando risos e palavras soltas, que misturo com a banda sonora do início da noite. Temos David Brubeck e Chet Baker. Miss B está nas suas setes quintas, o jazz é o seu mundo. Gosto que me dêm este silêncio, que me dêm tempo para saborear a paz antes da inquietação que me empurra de volta à conversa do bando...

Miss B.


Em casa de amigos, enquanto escrevo, Miss B. é cortejada. É bom saber que se deve sentir com o ego bem afagado. "Sou desejável". O rapaz que a seduz sabe-a toda, já lhe conheço os movimentos. Estamos em sua casa, um belíssimo espaço à beira Vouga, repleto de histórias (incluindo algumas minhas, de há dez anos para cá). Miss B. e eu já fomos namorados, na altura em que ambos sabíamos já o que a casa gastava em preferências sexuais, mas em que a fome de calor humano falava mais alto que a solidão. Conhecemo-nos na Associação de Estudantes, na altura em que a Universidade já era uma etapa que tentavamos penosamente ultrapassar para chegar ao que realmente interessava. Há dias, eu e o Venus aceitamos o convite para o seu jantar familiar de aniversário. Nós os dois, Miss B e a sua família. Uma nova experiência. A mãe achou que o Venus me ficava bem.
Gostava de poder reter estas sensações, como quando fazemos amor e por momentos parece possível ter cá dentro outra pessoa.

Arco Íris


Amizade
Ternura
Simplicidade
Alegria
Ingenuidade
Verdade
Amor

esta é a minha boa amiga Íris!

O belo


Pedro Hestnes

Agosto


O Jorge Silva Melo fez um filme, aqui há uns anos, que se chamava Agosto, com um praticamente principiante (e já belo) Pedro Hestnes. Uma mulher, encarnada no ecrã pela Manuela de Freitas, ia cantarolando, em plena serra da Arrábida, uma cantilena: "Eu vou-me embora, tu vais-te embora, o Verão já se acabou..."
Lembrei-me dessa imagem enquanto tento combater com unhas e dentes a estranheza deste Agosto portuense, vazio de pessoas e intenções, mergulhado numa semi-letargia profissional. Ainda se estivesse presente a perspectiva de umas férias de Inverno...

O que é um homem sexual?


Ocasionalmente solicitam-me sessões de informação e sensibilização sobre sexualidade e planeamento familiar. Para quem está habituado a estas situações, sabe que há uma dinâmica bastante utilizada: o chapéu das perguntas. Basicamente, consiste em sugerir que às pessoas que escrevam as suas dúvidas anonimamente num pedaço de papel, fazendo-se depois a recolha, seguida da leitura e resposta debatida a cada uma das questões colocadas. Cá vão alguns exemplos que guardei de um dos grupos de adultos a receber formação profissional e escolar (be prepared):
- "Porque é que o planeamento é só para homem ou mulher e não para os homossexuais?"
- "Porque será que um casamento hoje em dia tem uma duração curta? Quais os prós e os contras?"
- "O que é ponto G?"
- "Qual é a diferença entre o homem e a mulher?"
- "O que é na verdade um homossexual? E porquê?"
- "O que entende à sexualidade entre homossexuais?"
- "O que é o esperma?"
- "Porque existe a sexualidade?"
- "Diz o que é uma família?"
- "O que é sexo a três?"
- "Tudo do sexo me agrada"
- "Não tenho nenhuma pergunta neste momento"
- "O que é sexo anal"
- "O que é a SIDA"
- "A diferença entre um pedófilo e um violador"
- "o que é um homem sexual"
- "O que é puberdade"
- "Como será dois homens?"

Imaginem ter que responder no momento...
PS: a imagem é do Tom of Finland, como não podia deixar de ser...

Orquídeas (parte 2)

Mais de dois meses depois das orquídeas terem florido, chegou a altura de nos deixarem. Lentamente vão amarelecendo e enrugando. Vamos ter de tirar algumas das folhas que estão a ficar castanhas e posteriormente temos de separar as duas plantas e colocá-las em vasos diferentes. Cuidados necessários para que no mês de Maio do próximo ano voltem a encher-nos a sala com as suas cores.

Metrosexual? Oui, c'est moi...

No meu local de trabalho, segundo a querida assistente de estética, no espaço para mulheres desempregadas, eu serei, segundo a sua definição, um metrosexual(!). Go figger... Agora marcaram uma sessão para toda a equipa, e é suposto eu aparecer também. Ir ou não ir, eis a questão.
Nas entrevistas diárias, outras situações que me surgiram ontem: um naturopata e um atleta de alta competição de uma arte marcial, já não me recordo qual (pelos vistos até já é modalidade olímpica) - ambos ficaram tão animados com a entrevista que até propuseram demonstrações, o primeiro uma massagem, o segundo uma visita ao ginásio para uma aula. Ontem, a teclar com um amigo, sugeriram-me inverter a ordem das demonstraçõas. Talvez faça sentido.
Bom, suponho que isto não acontece em todos os locais de trabalho...

Fahrenheit 9/11

Depois de ver o filme do Michael Moore, a imagem que retenho é a daquele ecrã negro, quando ouvimos os sons repetidos até à náusea do 11 de Setembro, como se nos dissessem que a partir daquele momento o país entrou numa cegueira colectiva, não anárquica como a do Saramago no romance, mas focalizada na ira e no poder, de contornos fascizantes. Afinal, foram os americanos, pelo voto, pela cumplicidade ou pela indiferença, que puseram GWB na presidência...


atropelo na raíz do que sou a minha sombra
no pensamento o próprio peso suspenso
vultos vagueiam-me no olhar
carregando a própria vida nos sorrisos
o ar azul e solar transporta-te até este cais
e indetermina as coisas marítimas em que habito





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