Guardião de Spaccanapoli


Nápoles - Junho 2006

Ao rever as fotos de Nápoles fico com pena de não termos fotografado mais. Que saudades daquela cidade, das suas vicoli, das vozes saídas das janelas dos palácios centenários, transformados em habitações contemporâneas, dos vendedores de livros usados, de amuletos e figurinhas de presépio, das crianças a brincar nas praças, dos risos, dos pregões, dos pormenores ornamentais das fachadas dos edifícios, do som dos passos na calçada vulcânica... Suspiramos e imaginamos como seriam as ruas do centro histórico do Porto se estivessem habitadas.

Personagens à procura de uma história #4

Work in progress caseiro

Diversidade não é para todos

Quando o tema diversidade vem à baila, mesmo em contextos académicos, é inevitável surgir uma associação imediata à questão da imigração. Raramente o discurso ultrapassa essa fronteira simbólica definida pelo Estado-nação, o que parece resultar de dois pressupostos implícitos:
- primeiro, a identidade, por via da cidadania, é definida de forma determinante pela pertença nacional;
- segundo, a nacionalidade, a nossa e a dos que decidem imigrar, é una e como tal monocultural.
Sinto sempre que não apenas a ficção da identidade nacional sai reforçada nesses momentos, reproduzindo estereótipos sob a capa da tolerância e da generosidade, mas sobretudo não se colocam outras cartas na mesa, que impliquem no mesmo patamar de leitura outras formas de exclusão como as que se baseiam, por exemplo no género ou na orientação sexual. Para evitar à partida este enviesamento ideológico, a ideia de nacionalidade terá que começar a ser lida como o resultado da diversidade, e não como o seu alvo indefeso. Estaremos preparados para tal revolução coperniciana?

Sem sentido

Hoje é sábado. Boa escolha musical! Ontem fez 25 graus em Turim. Sinto que não sou capaz de levar seja o que for até ao fim. Em Junho do ano passado, o Stromboli teve um dos períodos de maior actividade vulcânica dos últimos tempos, precisamente quando lá tivemos. Isso é que foi sorte! A Micas está a recuperar muito bem da ovariohisterectomia. Sabiam que há 50 maneiras de se dizer fabuloso? Gosto de padrões de fundo nos sites. Porque o CPF não organiza cursos de fotografia? Flåm pronuncia-se "Flom" e não "Flam". Bom exemplo de utilização das novas tecnologias na aproximação do poder político aos cidadãos (alguns). Afinal "Ainda há pastores"; será que regressam ao Porto? Faltam 21 dias para o referendo. Mais logo há uma milonga na "Esquina do Tango". Vou tomar banho. Afinal eu vinha à Internet para trabalhar e fiz tudo menos isso...


Postal comprado na "La libreria sull’Isola", Stromboli, Junho 2006

Sinais de tensão

Um dia recebo um folheto indescritível na caixa do correio, com imagens de fetos retalhados e discursos obscuros e contraditórios sobre a importância de votar não (sei que não vai ser o último, já me estou a preparar para este tipo de mimos); decido colocar um autocolante pelo sim na lapela e circular com ele no meu local de trabalho, dispondo-me aos olhares inquisitórios dos ´meus adultos`; no final do dia consulto o e-mail, ligo o messenger e comento o meu mal estar. O meu interlocutor confessa-se indeciso e eu desespero. Se até este não está convencido, penso, é sinal que estamos longe de poder estar seguros. Tento-me conter e empenho-me num esforço de desconstrução. Apercebo-me que a informação existe e circula, mas esbarra numa postura de avestruz: se esconder a cabeça, não vejo o que se passa e portanto o que se passa é nada. Do lado do 'não' já perceberam há muito o alcance político do referendo e como ele ultrapassa o campo estrito da IVG, balizando as decisões futuras sobre a condição das mulheres e da população LGBT. Eles já mobilizaram o seu armamento e a campanha nas igrejas foi reforçada (na verdade nunca foi interrompida). Vou pensando sobre o perigoso que é deixar que matérias como esta sejam referendáveis, mas sobretudo interrogo-me sobre o que fazer com um país que vota contra a dignidade dos seus próprios cidadãos.

Contraponto


Philipe Lopparelli, "Electropia"



"Fuga é uma forma musical polifônica muito livre, utilizando as técnicas de contraponto. Divide-se nas seguintes partes:
Exposição: Corresponde à entrada das vozes, uma de cada vez. A primeira voz enuncia o tema principal (sujeito) seguido pela resposta (sujeito reapresentado em outro grau, geralmente a dominante), enquanto a voz anterior continua em contraponto (contrasujeito). A exposição termina após a entrada de todas as vozes.
Desenvolvimento: Nesta parte, o tema é reapresentado alternadamente em cada voz.
Episódio: material livre que liga as reapresentações do sujeito (tema).
Stretto: Entrada estreitada das vozes, de maneira mais densa do que na exposição. Normalmente reservada para o final da composição.
Coda: É o final da fuga, em que todas as vozes cantam, juntas, uma melodia conclusiva.
As fugas foram largamente exploradas durante o período barroco, especialmente por Johann Sebastian Bach, autor de obras como A Arte da Fuga, e posteriormente desenvolvidas no classicismo por compositores como Mozart, Haydn e, em menor escala, Beethoven."

in http://pt.wikipedia.org/wiki/Fuga

Arroz doce


Sou tomado ocasionalmente pelo impulso de fazer arroz doce. Tento fazê-lo à moda do sul, perseguindo o sabor inigualável das iguarias da tia de Carcavelos. No norte às vezes juntam-lhe baunilha e deixam de lado a manteiga, o que é uma forma de esconder que no fundo preferem a aletria ou o leite creme. A canela é um sabor que viaja com a infância, juntamente com os crayons da Viarco, as sebentas do pinóquio e os aromas da Ach. Brito.


*Fotos: Venus as a Boy + Major Tom

Ou, em alternativa...


... as fabulosas partituras visuais do suiço Georges Schwizgebel.

Graphic Novel



Com o tempo vou percebendo que não tenho perfil para conhecer em profundidade. Talvez encontre o tédio demasiado cedo ou simplesmente esteja viciado no prazer da descoberta de novas linguagens. Por esse motivo nunca me afirmo como mais do que um mero apreciador ou interessado. Tomo como exemplo a banda desenhada. Custa-me realizar o desprezo com que é votada por tantos cultivadores de outras linguagens. Considero em especial o romance desenhado (não sei se existe designação portuguesa para o graphic novel) um formato com um potencial expressivo inesgotável e já com inúmeros e valiosos exemplos. Quem já pousou os olhos sobre 'Maus', de Art Spiegelman ou 'Palestina', de Joe Sacco sabe do que estou a falar. Em Portugal, temos um grande Miguel Rocha a tentar desbravar terreno e fá-lo com grande mestria. Um amigo trouxe-me de Itália o volume 'Baci dalla provincia', que agrega três histórias de Gipi (nome artístico de Gianni Pacinotti), toscano que já viu trabalhos seus nas listas anuais dos melhores livros (uma excepção que confirma o desprezo a que aludi). Aqui, uma prancha de "Appunti per una storia di guerra", uma fábula sobre o percurso de três jovens no cenário apocalíptico de uma guerra não identificada (como o são sempre, em parte, as guerras), e da aprendizagem da sua encenação. Aqui as vítimas transformam-se em algozes e a redenção é pouco menos do que uma miragem.

O som e o mar

Explicou-me um marinheiro alentejano (reformado, não fiquem com ideias), que através do som que o mar faz quando bate na costa podemos perceber em que sítio estamos. Na praia da São Julião, há uma esplanada onde podemos ver de cima a enseada formada pela entrada da água no areal. Foi lá que nos refugiamos para escapar ao caos deprimente da aproximação à Ericeira. Aqui o oceano espraia-se numa longa plataforma de espuma branca, atravessada por sulcos mais claros e espessos que se desfazem em linhas paralelas sobre a areia. O ruído é contínuo, sem a cadência marcada da ondulação, com a excepção de uma ou outra onda mais arrojada que se desfaz ainda longe da costa. Fosse uma praia de seixos e o barulho seria como o de uma fritada de ovos. Uns dias depois arriscamos um regresso nocturno à Ericeira e percebemos que ainda resta um núcleo preservado de ruas. E acima de tudo reencontramos o mar, que aqui forma grandes vagas que açoitam as rochas e que atraem os surfistas, num som que atemoriza. Junto à plataforma das furnas formadas pelo laborioso trabalho da água sobre a pedra, ali mesmo ao lado do imponente hotel, conseguem-se ver as ondas por trás, ainda antes de rebentarem na praia. À noite, a penumbra baralha a percepção da distância, e o rumor e aquelas sombras enormes que se deslocam no horizonte fazem disparar o coração.

Feitiços...

Há uma semana atrás fui enfeitiçado por esta paisagem. E não páro de pensar nela nos momentos menos convenientes. Queria que o tempo parasse e pudesse ficar a olhar eternamente para aquele vale. Resta-me olhar para a foto...


Penedo de Lexim, Mafra

Mosaico do Vouga

Até pó Ano!


Nos próximos dias encontram-nos aqui. Até já! ;)





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