En Soap


Um filme dinamarquês em cartaz é sempre motivo pertinente para uma ida ao cinema. Faz-me pensar que se alguma coisa boa veio com o Lars von Triers foi o ter dado alguma projecção à produção cinematográfica deste cantinho do mundo. O filme 'En soap' (traduzido para um obtuso "Sexualidades"), é a estreia na realização da também argumentista Pernille Fischer Christensen, e é uma pequena peça de câmara feita a duas vozes, femininas (questão central), dentro de um prédio indistinto de um subúrbio que podia ser de uma qualquer cidade europeia. Charlotte decide viver sozinha após 4 anos de matrimónio entediante, mas o apartamento desarrumado e as caixas que guardam ainda os seus haveres revelam a sua hesitação e espelham uma agitação interior; no apartamento em baixo vive Veronica, que recebe visitas de homens seus clientes e é fã de novelas americanas (daí o título original, que se aplica também à estrutura por episódios do próprio filme), enquanto aguarda pacientemente pela operação de transição de sexo. Algumas circunstâncias vão permitir a sua aproximação, num agitado duelo de diálogos e corpos que as despe progressivamente dos papeis que desempenham perante os outros, revelando as verdades que ocultavam até de si próprias (e esta é a verdadeira especialidade do cinema nórdico, se nos lembrarmos de Bergman). A novidade surge na abordagem, sobretudo pela forma como os personagens são confrontados com os seus preconceitos e nos 'transportam' para uma reflexão interessante, reveladora do zeitgeist do modo como a solidão, a intimidade e a sexualidade moldam (aprisionam e expandem) a nossa identidade neste início de milénio.

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