Na casa dos sorrisos
"- Já agora, queres ver o resto do sítio?"
O sítio era uma casa de acolhimento para vítimas de violência doméstica. No final de uma rua sem saída, batido pelo primeiro Sol de Verão, fica este casarão recuperado e ampliado com um átrio de onde se ouve a petizada numa pequena arena com saibro e os vestígios de uma relva que alguém começou. Conheci a lavandaria comum, salas de estar e corredores com uma luz arquitectónica, e depois a pequena cantina, onde ainda almoçavam algumas retardatárias com sorriso generoso. Uma delas agarra-se à minha cicerone com um abraço demorado e infantil e oferece-lhe uma maçã. Conheci também a cozinheira e o periquito (outro náufrago, entrou por uma janela e por ali ficou). Há uma pequena sala com cadeiras e um quadro, para reuniões ou sessões variadas. Contra a minha relutância, fui encaminhado para os quartos. Vivem ali 12 mulheres e 13 crianças, cuja presença justifica um pequeno exército de assistentes sociais, psicólogos e auxiliares, que amparam, encaminham e monitorizam. A reduzida lotação está preenchida. As outras, que conseguiram reunir força para chegar ali, terão que esperar que a vida lhes arranje outra forma de tomar rédea ao destino. São as refugiadas da macho-latinidade, e nos olhos sinto que estudam a minha presença. Ali já se forjaram amizades e as crianças percorrem os colos disponíveis. Prometo a uma delas, de caracóis ensarilhados, um postal que substitua a curiosidade devotada aos meus papeis. Mas já é o mundo lá fora, aquele que um dia ela vai ter que enfrentar, que me chama para outros afazeres.