O som e o mar
Explicou-me um marinheiro alentejano (reformado, não fiquem com ideias), que através do som que o mar faz quando bate na costa podemos perceber em que sítio estamos. Na praia da São Julião, há uma esplanada onde podemos ver de cima a enseada formada pela entrada da água no areal. Foi lá que nos refugiamos para escapar ao caos deprimente da aproximação à Ericeira. Aqui o oceano espraia-se numa longa plataforma de espuma branca, atravessada por sulcos mais claros e espessos que se desfazem em linhas paralelas sobre a areia. O ruído é contínuo, sem a cadência marcada da ondulação, com a excepção de uma ou outra onda mais arrojada que se desfaz ainda longe da costa. Fosse uma praia de seixos e o barulho seria como o de uma fritada de ovos. Uns dias depois arriscamos um regresso nocturno à Ericeira e percebemos que ainda resta um núcleo preservado de ruas. E acima de tudo reencontramos o mar, que aqui forma grandes vagas que açoitam as rochas e que atraem os surfistas, num som que atemoriza. Junto à plataforma das furnas formadas pelo laborioso trabalho da água sobre a pedra, ali mesmo ao lado do imponente hotel, conseguem-se ver as ondas por trás, ainda antes de rebentarem na praia. À noite, a penumbra baralha a percepção da distância, e o rumor e aquelas sombras enormes que se deslocam no horizonte fazem disparar o coração.
Faz-me bem vir aqui.