Voo

A noite passada sonhei que a vizinha do lado se tinha suicidado, simplesmente projectando-se da janela para o abismo vertical. Havia, claro, algo de angustiante nessa imagem, uma espécie de sufoco da alma que me fez acordar. Mas não consigo deixar de me sentir atraído por aquele exacto momento em que o corpo se erguia e se libertava do seu peso específico e do mundo, que ficou para trás, pousado no parapeito. É o momento em que a ilusão da liberdade ecoa com mais força, como um grande clarão subliminar e intermitente na minha cabeça.

Personagens à procura de uma história #7 (variações)





Memórias de celulóide


La belle et la bête, de Jean Cocteau (1945)

"Os Saint-Just de pacotilha verberarão asperamente que a França envie um conto de fadas, neste momento terrível, decisivo, etc., da vida do mundo. Creio ser justo chamar a atenção para o facto de estar mais dentro da vida a fantasia de La belle et la bête que a falseada representação da vida, sobre que roseamente medra o cinema americano ou americanizante."
in Sobre Cinema, de Jorge de Sena (1988, Cinemateca Portuguesa)

Palavras para quê...

"Quintal", no Porto


Já lá fui e recomendo.
Mercearia biológica, alimentos sem glúten, cosmética natural, homeopatia e naturopatia, degustação de chá, refeições ligeiras e uma esplanada fantástica rodeada de árvores e de tranquilidade. Tudo isto, bem no centro da cidade.

Rua do Rosário, 177 - Porto (em frente ao "Célia")
Tel. 222 010 008
www.quintalbioshop.com

En Soap


Um filme dinamarquês em cartaz é sempre motivo pertinente para uma ida ao cinema. Faz-me pensar que se alguma coisa boa veio com o Lars von Triers foi o ter dado alguma projecção à produção cinematográfica deste cantinho do mundo. O filme 'En soap' (traduzido para um obtuso "Sexualidades"), é a estreia na realização da também argumentista Pernille Fischer Christensen, e é uma pequena peça de câmara feita a duas vozes, femininas (questão central), dentro de um prédio indistinto de um subúrbio que podia ser de uma qualquer cidade europeia. Charlotte decide viver sozinha após 4 anos de matrimónio entediante, mas o apartamento desarrumado e as caixas que guardam ainda os seus haveres revelam a sua hesitação e espelham uma agitação interior; no apartamento em baixo vive Veronica, que recebe visitas de homens seus clientes e é fã de novelas americanas (daí o título original, que se aplica também à estrutura por episódios do próprio filme), enquanto aguarda pacientemente pela operação de transição de sexo. Algumas circunstâncias vão permitir a sua aproximação, num agitado duelo de diálogos e corpos que as despe progressivamente dos papeis que desempenham perante os outros, revelando as verdades que ocultavam até de si próprias (e esta é a verdadeira especialidade do cinema nórdico, se nos lembrarmos de Bergman). A novidade surge na abordagem, sobretudo pela forma como os personagens são confrontados com os seus preconceitos e nos 'transportam' para uma reflexão interessante, reveladora do zeitgeist do modo como a solidão, a intimidade e a sexualidade moldam (aprisionam e expandem) a nossa identidade neste início de milénio.

Personagens à procura de uma história #6

"Sexy boy"


Ultimamente dou por mim a cantar esta música, enquanto caminho na rua ou apanho o Metro. Começo a imaginar-me como fazendo parte do teledisco e as pessoas que me rodeiam como figurantes. Há músicas que aparecem sem nenhuma razão aparente na nossa cabeça e é mesmo difícil tirá-las cá de dentro...

Eu e a piscina


- Era uma entrada para os banhos livres, se faz favor.
Quase nem preciso de dizer, quando chego ao balcão já estão a olhar para mim de esguelha e começam logo a aviar o bilhete, e até imagino o que pensam ("lá vem o chato que reclama sempre de alguma coisa, ou é a música que está sempre a tocar e alto mesmo quando não há aulas, ou são as casas de banho que não têm condições, ou são as ligações eléctricas perigosas à beira dos duches...").
Desta vez contudo, a mulher olha pensativa para o ar, e retira-se por um segundo. A música ambiente, bem para lá do volume necessário (que devia ser nenhum), era uma daquelas canções dor de corno com sotaque brasileiro. De repente, um silêncio. E então, out of nowhere... a voz de Gloria Gaynor: "First I was afraid, I was petrified (...) I will survive!"
Fique a pensar no assunto. Seria propositado? Um sub-texto qualquer que me revelava uma densidade inesperada na mente da senhora do guichet? Peguei na chave e fui procurar o meu cacifo. E não, lá dentro não estava uma equipa de pólo aquático com olhar insinuante de quem tinha saído do último musical da Esther Williams e prestes a entrar no chuveiro. Apenas um senhor de tenra idade, com o semblante de quem se conformou aos diagnósticos médicos, a lutar contra duas peúgas mais resilientes.

Turista cá dentro


Como é bom sermos turistas na nossa cidade! Já andava com saudades de caminhar pela "minha" e descobrir as vielas, ruelas e pracinhas que, no dia-a-dia, passam-nos ao lado. Como é possível deixarmos escapar estes encantos? São estes pormenores que fazem todas as cidades serem únicas.
Várias passeios seguirão, assim o tempo ajude. Prometo fazer novos relatos fotográficos.





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