Ou SIM ou sopas!

Hoje ao entrar no carro para regressar a casa depois do trabalho reparei num papel colocado entre o vidro e o limpa-brisas. Abri o papel e li o recado: começava com um elegante "És um aborto!", seguido de considerações sobre o modo como eu tinha estacionado. Decidi só tomar em consideração a primeira parte uma vez que desde que me lembro sempre coloquei o automóvel no mesmo sítio e nunca houve considerandos de qualquer espécie. Presumi que o/a autor/a do recado estava, isso sim, incomodado/a com o postal do 'Sim' que eu tinha colocado no vidro traseiro ou, possivelmente, por me reconhecer, a mim e às minhas posições, do local onde trabalho, que é um espaço público (esqueci-me de falar no autocolante na lapela?). Achei que o momento ilustrava bem o que se tem passado nas últimas semanas, mas também um certo tipo de confronto de mentalidades que vem de longe. De um lado, os movimentos organizados a partir da sociedade civil pela despenalização, pela liberdade de escolha, pela informação esclarecida, pela igualdade de direitos e deveres perante o Estado; do outro, as forças conservadoras, a estrebuchar para manter os seus mecanismos de dominação simbólica, usando como estratégias a intimidação, a desinformação, a hábil manipulação da ignorância e a apropriação ideológica de valores que na verdade nunca foram seus (nunca vos atiraram à cara que eram anti-democráticos por defender o 'sim' e rebater o 'não'?). De um lado o respeito pela mulher e uma concepção informada do contrato social; do outro, a mentira covarde (querem mais exemplos do que as fotografias de fetos retalhados que me têm chegado à caixa de correio ou esses cartazes escandalosos com bebés e mães enternecidas?), a arrogância e a prepotência de quem conhece bem a sua influência e quais as estratégias para a manter.
É um dever de cidadania não ceder, votar e assumir uma posição pública pelo sim.

PS: alguém me arranja mais uns cartazes para eu colar no carro?

4 Comentários:

  1. Anónimo disse...
    Governo deve tomar medidas em vez de pedir ao povo a solução

    Não ! - Não à legalização do aborto através da falsa bandeira (engodo) da despenalização !

    A despenalização do aborto é outra forma enganadora de combater o aborto. O número de interrupções de gravidez, no mínimo, triplicará (uma vez que passa a ser legal) e o aborto clandestino continuará - porque a partir das 10 semanas continua a ser crime e porque muitas grávidas não se vão servir de uma unidade hospitalar para abortar, para não serem reconhecidas publicamente.
    O governo com o referendo o que pretende é lavar um pouco as mãos e transferir para o povo a escolha de uma solução que não passa, em qualquer uma das duas opções, de efeito transitório e ineficaz.
    Penso que o problema ficaria resolvido, quase a 90 %, se o governo, em vez de gastar milhões no SNS, adoptassem medidas de fundo, como estas:

    1 – Eliminação da penalização em vigor (sem adopção do aborto livre) e, em substituição, introdução de medidas de dissuasão ao aborto e de incentivo à natalidade – apoio hospitalar (aconselhamentos e acompanhamento da gravidez) e incentivos financeiros. (Exemplo: 50 € - 60 € - 70€ - 80€ - 90€ - 100€ - 110€ - 120€ -130€, a receber no fim de cada um dos 9 meses de gravidez). O valor total a receber (810€) seria mais ou menos equivalente ao que o SNS prevê gastar para a execução de cada aborto. (*)

    2 – Introdução de apoios a Instituições de Apoio à Grávida. Incentivos à criação de novas instituições.

    3 – Introdução/incremento de políticas estruturadas de planeamento familiar e educação sexual.

    4 – Aceleração do "Processo de Adopção".


    (*) Se alguma mulher depois de receber estes incentivos, recorresse ao aborto clandestino, teria que devolver as importâncias entretanto recebidas (desincentivo ao aborto). [Não sei se seria conveniente estabelecer uma coima para a atitude unilateralmente tomada, quebrando o relacionamento amistoso (de confinaça e de ajuda) com a unidade de saúde].

    Estou para ver se os políticos vão introduzir, a curto prazo, algumas deste tipo de medidas. É que o povo, mais do que nunca, vai estar atento à evolução desta problemática.
    Major Tom disse...
    Caro/a "anónimo/a"

    Não sei onde foi buscar essas informações que parecem tão bem contabilizadas. Acho interessante a facilidade com que estes dados são lançados (quem o faz conhece bem o efeito poderoso de confirmação que os boatos podem ter) e como, após tantos anos de 'não', eles nunca vieram à baila. Pessoalmente, parece-me que arvorar argumentos economicistas não se coaduna com a defesa do direito à saúde para todos que deve nortear a intervenção do Estado (além disso, a sua visão do que é a gestão de um orçamento familiar antes e depois do nascimento de uma criança parece-me no mínimo desfasada da realidade). Portanto, o que propõe é substituir a penalização por uma multa (não pode deixar de haver um julgamentosinho, verdade? Alguém tem que ficar com as culpas, não é?).
    Talvez eu tenha estado desatento/a, mas não tenho ouvido falar da necessidade de incentivar a natalidade através de prémios (a crise demográfica, a existir, vai quando muito no outro sentido), mas ainda que assim fosse, o facto de ver as mulheres como meros veículos da natalidade, como se parideiras ao serviço do colectivo se tratassem, faz parte da arrogância a que eu faço alusão no post. Quanto às medidas de apoio à maternidade… elas já existem nos serviços de saúde! Aliás, nós vivemos, e sobretudo as mulheres, num ambiente ideológico cuja pressão para a maternidade é feroz e difícil de contrariar.
    Se a questão da família e da vida parece tão posta em causa, onde estão estas preocupações quando se fala na alteração do código do trabalho que, entre outras coisas, vêm dificultar a conciliação entre a vida familiar e profissional ou fragilizar os vínculos laborais e como consequência a estabilidade pessoal? Dou-lhe eu uma informação, esta sim fundamentada: nos países onde não existe penalização, a IVG, esse último recurso para quem não vê a maternidade como uma opção naquele momento, tem muito menor incidência do que no nosso país. São também países (França ou Holanda são dois exemplos) onde a informação vai par-a-par com o respeito pela diversidade de opções individuais (incluindo, sim, as religiosas e as anti-abortivas). Educação sexual e planeamento, sim. Mas efectivamente aplicados, e sempre como educação para a diversidade, incluindo uma postura crítica relativamente aos papeis de género e da heteronormatividade.
    Acho curiosa também essa alusão à adopção. Ilustra bem o tipo de pensamento linear dos proponentes do 'não': se uns não podem ficar com as crianças, alguém há-de ficar com elas, e lá nos havemos de ir arranjando todos juntos, de mãos dadas (de preferência numa instituição de acolhimento que faça julgamentos sobre a capacidade de amar das novas famílias).
    É precisamente por causa da vida e do que ela significa que é importante não só votar sim no dia 11 como usar isso como exemplo do contributo que todos podemos dar para uma sociedade mais justa.
    Eu vou assinando em baixo
    Telmo Fernandes,
    Estudante-trabalhador e feminista
    Venus as a boy disse...
    Subscrevo o comentário do Major Tom.
    Ass: César Figueiredo
    taizinha disse...
    Gostei do post e estou de acordo com tudo o que foi dito pelo Major Tom. Há uma série de coisas ditas no seu discurso, anónimo, para além do que aqui já foi mencionado, que não consigo perceber. As mulheres não irão aos hospitais fazer abortos para não serem reconhecidas? Mas as pessoas vão aos hospitais exporem-se ou vão aos hospitais recorrer a um serviço de saúde, que se pretende digno para todos?
    Quanto aos apoios, deveriam ser dados sempre, com ou sem lei de despenalização. Todas as crianças deveriam ter as mesmas oportunidades. Todas as mulheres deveriam poder passar uma gravidez sem preocupação de sustentabilidade. Mas esta é outra questão. Quanto à adopção subscrevo na integra o que disse o Major Tom.

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