Almodóvar

Acontece-me nalguns filmes. Sempre nos dele. Fico parado numa imagem, num movimento, numa frase. Quando volto a mim, a acção já avançou o suficiente para eu me perder, como se tivesse fechado os olhos numa curva ao tentar sair de um labirinto. “Pasion”. É o palavrão que enche o ecrã no final do filme “Má Educação”. E percebo num flash interior pelo imaginário Almodóvar que é esse o mote de todas as suas tramas, o verdadeiro motor da acção. Aqui também é essa a verdadeira história, assumidamente mal disfarçada de policial.
Em todos os seus filmes, como pequenas e subtis manobras de diversão (como o Hitchcock quando fazia as suas aparições), surgem na tela pequenas referências cinéfilas – cartazes, diálogos, evocações de outros filmes – como uma espécie de marca reverencial aos antepassados e como forma de integração da obra numa determinada filiação (como que a dizer: “aqui está isto, que não podia existir sem aquilo”).
Desta vez, ao chegarmos ao cinema – Nun’Álvares, último baluarte no Porto dos filmes sem pipocas (o pesadelo de qualquer cinéfilo) – reparámos que a música ambiente era familiar. Passavam canções dos seus filmes! Quem se teria lembrado de tal ideia: o gerente da sala? o distribuidor? a senhora da bilheteira? o projeccionista? Bem, o que é certo é que, naquele foyeur, com aquela banda sonora, e com os (muitos) presentes com cara de ansiedade (como se estivessem descompensados e aguardassem com impaciência a sua dose), se vivia um clima de clube, um clube almodóvar que se prestava a cumprir um ritual de adoração. E pensei que, brevemente, deste clube começarão a surgir, entre muitas outras coisas, novos realizadores, cujos filmes estarão polvilhados de reverências ao Pedro.
Genealogias.

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