O Deus das Moscas
Imagem do filme homónimo de 1963, de Peter Brook
Por leituras destas apetecia-me regressar às aulas de filosofar. Quem vive melhor? O que espera que tudo corra pelo melhor e age de acordo com essa ambição, vislumbrando o bem como uma inclinação natural do ser humano? Ou antes aquele que reconhece sempre em primeiro lugar a possibilidade das coisas correrem pior, até porque perspectiva o mal como algo intrinsecamente imanente ao quotidiano? Nesta obra clássica, William Golding brinca com o dilema, e não obstante colocar crianças como protagonistas exlusivas da narrativa, inclina-se pela segunda hipótese, quebrando esse tabu estruturante da modernidade que parece ser o da inocência da infância. A narrativa é simples: um avião aterra acidentalmente numa ilha deserta, depois daquilo que parece ser um conflito de grande escala (não são fornecidos grandes pormenores). Os únicos sobreviventes são um grupo de crianças. Desde o início, tentam criar e organizar-se em torno de um conjunto de regras, mas a convivência entre todos torna-se progressivamente mais tensa, até descambar para um final opressivo e violento. O que perturba mais, num texto escrito em 1954, é essa alusão à ideia de que aquilo que poucos anos antes parecia ter resolvido de vez a batalha contra o mal não passava afinal de mais um combate, em grande escala, dentro da guerra que o ser humano está condenado a encetar consigo próprio.