Memórias de Celulóide: Orphee, de Jean Cocteau
Ainda a meio da minha adolescência, apaixonei-me perdidamente pelo filme, recriação do mito de Orfeu: resumidamente, Orfeu, músico e poeta, apaixona e enfurece com a sua arte os deuses, que como vingança lhe matam Euridice, a sua mulher; inconformado, Orfeu decide descer ao abismo e desafiar a Morte, conseguindo resgatar a sua amada, na condição de não voltar a olhar para ela nunca mais... o que não conseguirá, perdendo-a para todo o sempre. Na versão de Cocteau (e não Clusot, como insistiu três vezes a Luiza Cortesão numa aula), Orfeu, ou melhor, Jean Marais, actor-fétiche e amante do realizador, senhor de dicção perfeita e semblante único, parece ambiguamente atraído pela Morte, interpretada por uma inesquecível Maria Casares, sugerindo uma outra intenção ao trágico desenlace. Claro que a novidade era o toque de Cocteau, na sua reinterpretação do mito à luz da contemporaneidade: a acção passa-se agora nos anos 40 do século XX (daí as belíssimas passagens do reino dos vivos para o reino dos mortos, onde circulam operários alienados no trabalho, indiferentes à sorte dos protagonistas).
Para mim tem o poder de relembrar, a cada visionamento, o poder do cinema como mola de crescimento.
PS: a imagem mostra-nos Orfeu (Jean Marais) contemplando o seu reflexo, como Narciso, e foi reapropriada 40 anos depois para a capa de um álbum dos Smiths, que sempre circularam nestas águas trágicas...
1 Comentário:
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- ale disse...
6:21 da tardeque maravilha ver aqui mençao e bela foto a um dos meus filmes de sempre.belo,belíssimo.tragicamente há anos que não o vejo .trouxe da última ida a paris alguns postais do mesmo que me têm feito alguma companhia.