Post pout pourri


Tentando ainda acalmar o meu corpo à violência que é esta variação de ritmos - de uma Páscoa chuvosa e langorosa no Alentejo para a súbita e constante urgência dos compromissos profissionais e académicos - vou utilizando várias estratégias, que passam por reclamar cá em casa o meu quinhão de carinhos, por pôr em dia a quilometragem das sapatilhas no piso húmido do Parque da Cidade, ou por rodar com força no sentido dos ponteiros do relógio o leitor audio do carro, para ouvir e encenar pérolas como Kate Bush, essa prodigiosa feiticeira das quatro escalas, tão intensamente eighty como anacronicamente bela (só eu é que me lembro da Babooshka?).
Nos entretantos, os prazos para a entrega dos trabalhos da escolinha vão apertando, e todos os outros compromissos se vão proporcionalmente revestindo de maior interesse. Um exemplo? O camião da campanha "Pela diversidade, contra a descriminação", iniciativa da União Europeia, que vai assentar arraiais no Porto no dia 2 de Abril, entre as 11 e as 19h, na Praça Parada Leitão.

Mudar de vida

Não é que um dia destes uma amiga nossa ouviu um lixeiro a cantarolar esta música, enquanto ia varrendo o chão da rua? Não é lindo?! :) Viva o Variações e os Humanos!

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar

Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será de ti ou pensas que tens...que ser assim?...

Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar

Porto - Marvão - Porto

Acabamos de regressar de uma pausa de três dias por terras do Alto Alentejo. O tempo não estava por aí além mas deu para descansar, para comer bem, para respirar ar puro, pousar os olhos em belas paisagens e recarregar as baterias para os dias de intenso trabalho que se avizinham. Foi bom passear pelas ruelas medievais do Marvão e de Castelo de Vide. Foi óptimo termos conhecido a Quinta da Saimeira, a Casa das Rosas e os anfitriões Michiel e Magreet. Haveremos de lá voltar em dias de calor, para podermos desfrutar da fantástica piscina e do sol que todos nós sabemos. Fica a sensação de ter durado muito pouco. Quando é o próximo fim de semana prolongado?

Gostar de fruta...


... é de homem!

Alguém viu por onde eles andam?

Por onde andam os pirilampos? Recordo-me tê-los visto uma única vez, era eu bem pequeno. Nunca mais vi :(

O rasto de Tarnation


Não me apetece comentar o filme, sugestivo e sentido patchwork de memórias pessoais, apenas o seu efeito, ter-me devolvido à memória a recordação de uma tia que 'estagiou' em minha casa enquanto se submetia diariamente a um 'tratamento' de choques eléctricos. Como criança, a coisa já me assustava, e era desesperante perceber o efeito que isso tinha não apenas na minha tia, embora sobretudo nela, que se transformou naquele período numa espécie de fantasma de corpo inchado, mas também em toda a minha família, que vivia na encruzilhada das prescrições médicas, da resistência da 'doente' ao tratamento (que se explicava, segundo os médicos, pela própria doença), e da nossa própria vontade, nunca assumida, de ver aquele pesadelo terminar o mais rapidamente possível. Talvez nunca tenha conseguido avaliar totalmente o impacto que isto teve no nosso núcleo, na nossa incapacidade para comunicar de uma forma equilibrada. Certamente a medicina, se um dia se dispussesse a ouvir, teria muitas lições a retirar destas pequenas mas brutais histórias de vida.

Legoland


Em época de forte (?) religiosidade, aqui fica um link que ajuda a iluminar as mentes mais hereges :) Onde estarão guardados os meus Legos?

Tarnation.mp3

Esta é para ti minha boa amiga Ju! Se não conseguires ouvir avisa!

Your greatest creation is the life you lead

Mais pertos



"Pelo menos 47 pessoas morreram e 81 outras ficaram feridas, esta quinta-feira, num atentado anti-xiita em Mossul, no norte do Iraque, segundo um novo balanço hospitalar revisto em alta." (TSF Online)

Quantas pessoas já morreram no Iraque? Em que dia se homenageiam estas vítimas?

Memórias de Celulóide: Orphee, de Jean Cocteau


Ainda a meio da minha adolescência, apaixonei-me perdidamente pelo filme, recriação do mito de Orfeu: resumidamente, Orfeu, músico e poeta, apaixona e enfurece com a sua arte os deuses, que como vingança lhe matam Euridice, a sua mulher; inconformado, Orfeu decide descer ao abismo e desafiar a Morte, conseguindo resgatar a sua amada, na condição de não voltar a olhar para ela nunca mais... o que não conseguirá, perdendo-a para todo o sempre. Na versão de Cocteau (e não Clusot, como insistiu três vezes a Luiza Cortesão numa aula), Orfeu, ou melhor, Jean Marais, actor-fétiche e amante do realizador, senhor de dicção perfeita e semblante único, parece ambiguamente atraído pela Morte, interpretada por uma inesquecível Maria Casares, sugerindo uma outra intenção ao trágico desenlace. Claro que a novidade era o toque de Cocteau, na sua reinterpretação do mito à luz da contemporaneidade: a acção passa-se agora nos anos 40 do século XX (daí as belíssimas passagens do reino dos vivos para o reino dos mortos, onde circulam operários alienados no trabalho, indiferentes à sorte dos protagonistas).
Para mim tem o poder de relembrar, a cada visionamento, o poder do cinema como mola de crescimento.
PS: a imagem mostra-nos Orfeu (Jean Marais) contemplando o seu reflexo, como Narciso, e foi reapropriada 40 anos depois para a capa de um álbum dos Smiths, que sempre circularam nestas águas trágicas...

"São vidas, senhor... são vidas..."

E para uma pausa, nada que melhor que... Projecto Life on Board (cada vez mais compreendo as verdadeiras vantagens de ter uma ligação à Internet super-rápida! Viva!!)

Análise sexual


Existem dois tipos de pessoas: as que gostam de fazer amor apenas no momento em que as coisas estão a correr lindamente, quase como prolongamento natural e exponencial do bem estar; e, por outro lado, as que acreditam no sexo como forma de transformar o estado de espírito, recomendável, por tanto, mesmo que o ambiente esteja 'pesado' (ou mais recomendável ainda nesta situação, como válvula de escape). Para uns, portante, a coisa parece resultar DE um bom momento. Para outros, resulta NUM bom momento. Não me parece coincidência que os primeiros sejam maioritariamente mulheres e os segundos maioritariamente homens. Ou será só impressão minha?
PS: de vez em quando uma imagem hetero para também apelar daqui à diversidade...

Olhá competência!


Estou contente. Amanhã certifico mais nove adultos. Bem sei que nestas andanças temos um papel por vezes ingrato: validamos sobretudo as competências que, neste momento, a sociedade, e sobretudo o mundo de trabalho, elege como fundamentais para qualquer cidadão. Poderiam ser estas, mas poderiam ser quaisquer outras, e estou ciente que o meu/nosso esforço por tentar valorizar o que tem sido até agora esquecido por todos, a começar pelos próprios candidatos, nunca é totalmente conseguido: por déficits na troca linguística, por dificuldades mútuas na decifração de códigos individuais, pela necessidade de cumprir metas ou pela urgência que os indivíduos transportam, as barreiras sucedem-se e as pontes revelam rapidamente a sua fragilidade. Mas ocasionalmente os milagres acontecem.
Para quem não está a par, refiro-me ao processo mais conhecido como RVC - Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, que permite a pessoas com mais de 18 anos obter um grau de escolaridade com base num balanço do seu percurso pessoal e profissional. Ainda hoje uma delas me confrontava com esta dificuldade, que consubstancia na perfeição o que eu considero um verdeiro dilema ético: o seu percurso é caracterizado por uma série de experiências de vida tão absolutamente extraordinárias como socialmente questionadas. Desde petiz que se iniciou nos meandros da economia paralela, tendo já adulto vindo a ser preso no Brasil por tráfico de materiais electrónicos. Desde adolescente assume-se como toxicodependente, estando actualmente abstinente. Partilha regularmente a sua vivência em escolas e outras entidades através de ONG's anti-racismo. Uma verdadeira flecha de incorrecção política a desafiar os limites de um processo politicamente correcto.
Olhe, senhor, são vidas!

P.S.: a imagem, obviamente, é do Magritte, e estou grato a uma certa aula onde me relembraram com ele o poder destabilizador da arte.

Cachorro!


Precioso, como diriam nuestros hermanos, é um dos adjectivos que aplicaria a este filme, de Miguel Albaladejo, que dificilmente passará nas salas portuguesas. A história de um rapaz de nove anos que, pelo 'desaparecimento' da mãe acaba por ser deixado ao cuidado do tio, um médico independente e hedonista, residente no conhecido bairro madrileno gay da Chueca, perfeitamente entrosado na sub-comunidade bear, parecia ser o pretexto ideal para mais uma daquelas comédias de situação a la americana. Mas o filme segue por caminhos pouco óbivos, e oferece um retrato humano sobre o que podemos entender como família, sobre a partilha da dor e do crescimento. A questão das novas formas de família, e designadamente da homoparentalidade é apresentada sem pedagogias fáceis e delicodoces: tudo é difícil e agitado, como na vida real acontece com todas as famílias. Se estivessemos num país em que os professores se preocupassem verdadeiramente com o valor da diversidade e da igualdade, seria de projecção obrigatória nas escolas.

Sentido: capital - invicta


De regresso ao Porto, após dois dias de acolhimento animado na capital. Raras vezes me senti assim recebido de forma tão hospitaleira, e confesso que desta cidade essa não costuma ser das minhas primeiras expectativas. É sempre bom sermos supreendidos pela realidade, ver cair por terra e posto a nú o conjunto de evidências em que nos tornamos e em que acriticamente acreditamos. Começa aqui a interculturalidade, nessa disposição para aprender e replicar, dar e receber (“devia ser a nossa forma de viver”, não é, António?).
Kafkiana, a tentativa de encontrar estacionamento a partir da meia noite no Bairro Alto. Simpático e convidativo, o espaço e o atendimento do Centro Comunitário Gay e Lésbico, onde provei a minha primeira... Piña Colada!

De abalada...


... para Lisboa, para um fim de semana de formação. Por esta altura, já quase nem acredito como fui capaz de lançar a mim próprio mais esta facada na minha já de si caótica gestão do tempo. Os horários provocam mais uma noite com débito de horas bem dormidas. Tenho que confiar no café para me aquecer o corpo e a alma, que se preparam para sair ainda de noite para o ar gelado. Aguarda-me uma viagem de comboio e a respectiva promessa de deambulação mental típica dos não-lugares (Marc Augé dixit). Segunda-feira procurarei analisar as consequências...

O gay reproduzido?


A propósito de um texto do Claude Dubar, em que nos fala do Pierre Bourdieu e do seu conceito de habitus, reflectindo sobre o conceito de identidade e sobre as implicações desse conceito na socialização e na educação, continuava a rodar na minha cabeça a ideia de que tudo isto se parece tornar problemático e ainda mais intrigante se estivermos a falar da hipótese da existência de uma identidade homossexual. Acho que foi o Miguel Vale de Almeida que relembrou uma vez, já não sei onde nem quando, que o indivíduo que se identifica como homossexual fá-lo frequentemente num vazio de referências, sem se sustentar em qualquer património anterior nem se apoiar numa comunidade onde se possa identificar. Ou seja, como podemos pensar nestes termos em reprodução identitária? Ela sustentar-se-á tão somente no único ponto que parece surgir como comum - a descriminação? Onde está o guião para este papel?





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