Julia B.

Julia B.* chegou aos quarenta. Mulher de beleza ibérica, latina, transbordante: cabelos e olhos negros, sublinhados com várias tintas, lábios delineados e carnudos, brincos largos de argola a reforçar os movimentos da cabeça, vestido ajustado à generosidade das curvas. Nasceu algures na América Latina, mas fez cá o seu sexto ano, que foi o que a vida lhe permitiu (tinha que ajudar em casa porque os homens não servem para essas coisas, disseram-lhe). Dir-se-ia, contudo, uma aluna promissora. Depois de uns anos a aguentar com tudo (a mãe deprimida, o irmão e o pai à sombra da bananeira, porque também eram latinos), começa um trabalho que finalmente lhe dá um vislumbre de uma luz numa vida obscurecida, mas o pai regressa do estrangeiro e entre ameaças termina com a experiência. Finalmente abala para fora, onde tenta singrar, e conhece o segundo homem da sua vida. Este investe no casamento o tempo suficiente para lhe relembrar que este mundo não existe para se ser feliz, mas para comer o pão que o diabo amassou. Sozinha, com uma colecção de depressões e medicamentos, duas filhas, e a vivência humilhada dos DLD e RSI, veio parar hoje à minha beira, onde me tentou explicar que apesar de tudo não consegue desistir, está viciada na esperança e no sonho que a sua beleza prometeu.
*(nome fictício)

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