Formentera em palavras

A partir do momento em que partimos de Formentera, no exacto segundo em que o barco recolhe a âncora e se levanta a ponte do cais, já toda a ilha é um acontecimento pronto a escoar lentamente, como uma ampulheta, da nossa memória. A cada dia que passa, desaparece mais um recanto do fundo do mar ou uma peça de decoração da casa. Com o tempo, paisagens e divisões inteiras serão sugadas na voragem do esquecimento. Ficará, se calhar, apenas uma impressão geral da ilha como um pedaço de terra que não pertence ali, e que levantaria voo não fossem o peso das pessoas e das bicicletas ou as raízes das figueiras, que pelo tamanho devem estar agarradas ao subsolo do mundo. Talvez também fique aquele barulho que o mar calmo faz ao bater nas concavidades das rochas, que se assemelha estranhamento ao riso contido dos amigos quando se apercebem que alguma coisa pateta aconteceu a um deles. O resto será incógnita, como a impressão de que os seres marítimos se familiarizavam paulatinamente connosco, chegando a ficar assustadoramente calmos, como se aguardassem resignados a chegada de um tsunami; ou a imagem da minhoca luminosa que os faróis das nossas bicicletas desenhavam na estrada, à noite; ou o concerto de aniversário de um septuagenário local, venerado como se de uma antiga estrela rock exilada se tratasse. Enquanto aguardávamos no cais o derradeiro adeus, víamos chegar os últimos turistas da época estival, já sem esperança e com t’shirts a dizer ‘love stinks’. Também ouvíamos o vento de Setembro na copa das árvores, e pensávamos na possibilidade de viver uma outra vida.

1 Comentário:

  1. Fabi disse...
    Olá gajito, de volta ao mundo dos "anormais" né?
    Engraçado, que quando vamos nos ""distanciando" da viagem que fizemos é que vamos percebendo que aquele lugar e momento vividos formam um sentimento não é? Comigo acontece sempre isso, tipo, de todas as viagens q fiz uma que tenho um sentimento fabuloso e forte foi pra São Pedro do Moel, q fica logo aqui... e não tem "nada" de especial. Da nossa última foi Paris e Sevilla, não sei, acho q no final o conjunto do que a gente viveu ali é que fica mesmo, mas fica interiorizado, q nem nas fotos que vamos ver daqui a 20,30, 40 anos vai conseguir traduzir...
    Isso é o melhor de se viajar...
    beijos, depois vamos marcar a sessão de fotos.
    Fabi

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