O cinema hoje
Nápoles, para além dos magníficos pallazzi do século XVI cujas fachadas se erguem com escassa distância umas das outras por cima dos vicoli, essas ruas genialmente concebidas para proteger o homem da violência solar, é também a cidade do comércio tradicional por excelência: ali encontra-se tudo sobre música, livros ou arte em geral, e até mesmo os legumes parecem resultar de uma fórmula ancestral religiosamente guardada desde tempo imemoriais. Nas ruas, entre lojas de amuletos de polichinelo e de jogos populares espalham-se bancas de livros usados, e é uma delícia perder tempo a vasculhar nestes pequenos arquivos amontoados. Numa delas encontrei uma edição bilingue das "Leaves of grass", de Walt Whitman e um pequeno ensaio sobre cinema datado de 1976 (excerto na imagem), cuja capa amarelada pelo tempo tornava ainda mais delicioso o pomposo título: "Il cinema oggi" (tudo pela módica quantia de 2 euros, meus senhores). Na porta ao lado compra-se um arancino (pequeno bolo frito de arroz) e temos refeição para estômago e intelecto. Durante uma viagem de barco perdi-me na nostalgia daquele texto sobre os "novos" criadores de imagens: Fellini, Bergman, Visconti, Rosselini, Antonioni, Resnais, Godard, Truffaut, Buñuel, estavam lá quase todos os que nos fizeram crescer. Basta ler a entrevista de Jack Nicholson no Público de ontem e confirmamos que, cá para nós, mesmo quando não estão creditados no genérico, o cinema hoje ainda é deles.
No despique tripeiro entre Nápoles e o Porto eles ganham 10 a 0.