Les temps qui changent


Enquanto digeria a leitura do "Ser Igual, Ser Diferente - Encruzilhadas da Identidade", do Ricardo Vieira, era impossível não contaminar com as suas palavras o visionamento do filme escolhido para o Sábado à noite - Os tempos que mudam, o tal do reencontro do par Deneuve/Dépardieu (aqui na foto, com o malogrado François Truffaut, por alturas da estreia do Le Dernier Metro; curiosamente a foto serve no filme como registo de um passado em relação ao qual os personagens reagem; é esse de resto, um dos cernes do filme). O filme emergiu assim com um segundo nível de leitura totalmente inesperado, mas certamente intencional, onde o eixo de interpretação reside no confronto de duas culturas - a francesa e a marroquina. É verdade que todo o filme parece filmado de forma agressiva, movimentos de câmara agitados, uma coluna sonora pejada de ruídos encrespados, animais sanguinários ou sacrificados, quase como se o realizador nos quisessse fazer sentir o desconforto dos personagens. E todos eles representam um ponto que podemos localizar ao longo desse eixo cultural. Retomando as expressões do Ricardo Vieira, estamos perante uma verdadeira paleta multicultural, mas dificilmente intercultural. Não tenhamos ilusões, aqui não existe uma troca, no sentido verdadeiro da palavra. O paradigma parece residir nas duas irmãs gémeas: ambas marroquinas de origem, emigraram para Paris, onde apenas uma continuou, assumindo a cultura de chegada e renegando a de partida (o verdadeiro oblato, segundo a expressão utilizada no livro); a outra irmã regressou a Tânger, onde vive cada vez mais imbricada no islamismo fundamentalista (é uma piada perversa a do realizador, que a coloca a trabalhar num restaurante McDonalds). Apenas Cécile parece em paz com a sua cidade de acolhimento, mas também ela nos revela que não aprendeu a língua local (nem aqui podemos assim falar de uma verdadeira trânsfuga, a personagem intercultural por excelência). Resta-nos o amante do filho, nativo, rei eremita recolhido num castelo abandonado, guardado a sete chaves da invasão do mundo.
Não será seguramente o melhor do Téchiné, que me ofereceu um deslumbrante "Os Juncos Silvestres", há mais de dez anos, mas é reconfortante ver que o cinema ainda pode ser assim. E a Deneuve será sempre obrigatória...

1 Comentário:

  1. gonn1000 disse...
    É um filme razoável, melhor do que os mais recentes de Techiné, mas também prefiro "Os Juncos Silvestres".

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