Galeria

30 Janeiro de 1978


Há 28 anos eu era assim. Esta foi a minha primeira foto, tirada pouco depois de ter nascido, na casa que seria o meu lar durante mais de 20 anos.
Acho que a minha mãe ainda tem aquele babygrow laranja e castanho guardado lá em casa. Vou ver se numa das próximas visitas pergunto por ele.

Dias exemplares


A vida são os compassos de espera, com todas as ressonâncias do que aconteceu e a ansiedade do que está para vir. Parece ser esse o subtexto do último romance de Michael Cunningham, de novo repartido em três narrativas, tal como o menos interessante As Horas (eu sei, são opiniões). Ponto, parágrafo: são três livros distintos - um romance histórico, um policial e uma história de ficção científica. Aparentemente apenas pequenos sinais os ligam: os nomes dos personagens repetem-se, a figura tutelar e a poesia de Walt Whitman, uma tijela dourada. E, contudo, há algo mais. O texto é atravessado por uma ameaça de morte e sobretudo por uma ideia de família, presente na improvável aproximação daquelas vidas em combustão e fuga permanente. Em momentos de delírio narrativo, as citações poéticas integram-se na perfeição, como que querendo debater a tese de que os poetas são profetas iluminados. Já vi crenças mais absurdas.

Mozart x 250


O apelo de uma celebração do aniversário de Mozart era suficientemente forte para me fazer voltar a entrar numa igreja. Infelizmente, a missa em ré menor foi levada no sentido literal pelo padre que, nitidamente excitado pela enchente de supostos fieis, decidiu intercalar os momentos musicais com dissertações bacocas sobre a verdade divina. Saímos da Lapa antes do segundo salmo. Em casa, contentei-me com uma nova audição do Requiem. É como deitarmo-nos com alguém de quem gostamos, mesmo que seja pela enésima vez: é sempre uma sensação fresca e renovada. Talvez combine com a minha apetência pela estética da tristeza preferir esta a todas as outras peças de Mozart. Foi escrito a pensar num deus, mas está lá o suficiente para nos fazer acreditar no Homem.

Porn Pops

In a lonely place


Num filme de Nicholas Ray, o cineasta dos abandonados e inadaptados (relembre-se Johnny Guitar, Rebel Without a Cause ou o menos conhecido They live by night), reencontro Bogart, no seu melhor. Ou seja, naquela masculinidade ferida e grotesca, violenta e misantropa. O título pode aludir a várias coisas, mas estou em crer que se refere em especial ao coração do protagonista. E há tanto de subtileza e de contenção. É difícil imaginar um filme assim nos dias que correm, tão embriagado de amor e fúria (a não ser, claro está, aquele do qual plagiei a última frase).

Filosofia de piscina


Entro no átrio da recepção. Apresento o meu atestado de robustez física, que agora pedem a cada visita. Nos balneários dois tipos com fato de executivo, possivelmente na minha faixa etária, encetam uma conversa pouco animada. Parecem ter-se reencontrado após vários anos, talvez já tenham sido grandes amigos. Agora, sobrava embaraço, e faziam um esforço por esconder o corpo o melhor que podiam. Conversavam sobre as campanhas eleitorais, pareciam ter experiência de vida política.
- Então, ainda não tens filhos?
- Ainda não.
- Ainda não? Mas já casaste há quanto tempo?
- Há dois anos e meio.
- Pois, nós também esperámos bastante tempo.

Mergulho na água. Os gestos repetem-se. O braço prolonga e antecipa o movimento do corpo, as pernas quase pendentes, cedem o esforço à parte dianteira. Debaixo de mim, os ladrilhos sucedem-se, glaucos. Lembro-me dos pequenos atletas de competição treinados pela minha irmã. O que para mim é uma invasão de paz, para eles era um pesadelo que lhes roubaria a infância para sempre. Quão perversa pode ser a vida?

Galeria


Porque é segunda-feira, porque ontem houve eleições, porque o almoço foi engolido à pressa, porque não há meio de acabar o relatório de contas do condomínio e libertar-me das visitas de vizinhos ao Domingo, porque a mota não pega e me obriga a falar sozinho para a dissuadir da teimosia, porque o desenho já estava feito e ilustra o que a preguiça não transforma em verbo...

Mosaico de azulejos


Uma bela tarde de inverno! Muito sol, céu azul e, como companhia, as ruas e vielas da Foz Velha, no Porto. Já fazia tempo que não caminhava por aquelas bandas.
Objectivo do passeio: conceber um percurso turístico no âmbito do curso de Concepção de Roteiros Turísticos que ando a frequentar.
Inspirado na J. e nas suas fotografias de azulejos das casas de Lisboa, decidi fotografar alguns dos belos azulejos que fui encontrando.

O filósofo e eu

Acontecem-nos coisas mais ou menos bizarras. Lançado no caos da universidade italiana, via-me a braços com a construção de um currículo pessoal, que vagamente daria a entender que me queria formar em História do Cinema. Naveguei pelas listas de disciplinas e pelas suas minúsculas sinopses, depois saboreei o som exótico dos respectivos professores, alinhavei tudo o melhor que pude e lá fui ter com o responsável máximo, à espera de uma autorização do plano. Nessa altura, o responsável máximo da faculdade de letras em Turim era nem mais nem menos que o sobejamente conhecido (mas não por mim, pelo menos na altura) filósofo Gianni Vattimo, de quem acabei por ler um pequeno ensaio intitulado "A sociedade transparente" que aludia à quimera de uma sociedade progressivamente reflexiva (a mesma que Giddens apelidou de sociedade sociológica), a pretexto de se democratizar exponencialmente a todos os recantos da vida social. Recordo-me também que o filósofo tinha fama de bon vivant e que gostava de se rodear dos meninos mais imberbes e deslumbrados pelas suas aulas. O encontro foi breve, mas claro que julguei ler no olhar dele algo mais do que uma perplexidade perante um portuga atrevido (penso que trocamos umas palavras sobre o Porto e acabou por me dizer que o assunto não era com ele). Talvez o sábio tenha pressentido, do alto da sua indulgente paciência perante estranhos, que o meu lugar não era ali, naquela cidade transalpina repleta de Fiat modelos de colecção e onde o céu nunca ficava azul. De alguma forma, foi como se aquele breve encontro com aquele homem ainda elegante e charmoso me devolvesse alguma verdade. Acabei por aceitá-la, mas só passado bastante tempo.

Deep kitsch


Mesmo correndo o risco de perder algumas amizades, não consigo resistir a partilhar: depois de Breaking the Waves, de Lars Von Trears, não tinha voltado a ouvir Child in Time, esse electrizante e hipnótico hino ao final da semana de trabalho (pelo menos é assim que eu hoje o classifico). E reconheço mesmo que os Deep Purple de 1970, cabeludos, vestidos com roupas pirosas, músicos de formação clássica e com letras que mais vale a pena não perceber, nunca mais voltarão a estar de moda. É mesmo uma impossibilidade civilizacional. E pensar que já soube trautear todos os diálogos entre a guitarra e a voz do Ian Gillian. Mas para esta música só tenho um adjectivo: gosto.
uuuuuuuuuhh uuuuuuuuuuuuuuh uuuuuuuuuuh...

Em vésperas do meu 28º aniversário

Hoje senti-me velho quando, ao me interpelarem na rua, me chamaram de "senhor". É certo que já me devem ter chamado de "senhor" várias vezes mas só hoje me dei conta do sentido pesado da palavra SENHOR. Quando era um puto sentia-me muito mais adulto que os meus colegas de turma. Hoje em dia não sinto, de forma alguma, um SENHOR!

Galeria

Vila Pouca de Aguiar (fragmentos rurais)

Pensieri

- Os homens medem-se aos palmos. Eu tenho um metro e sessenta e oito. Sou a pessoa mais alta da família.
- As crianças gostam que se repitam as histórias vezes sem conta. Dizem que lhes transmite segurança. Nestes dias revi três filmes: Metropolis, de Fritz Lang, O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras, de Dennis Arcand. Sei que os revisitarei.
- Ingerir álcool durante a semana não é uma boa política de trabalho. Faltei à piscina, troquei nomes e histórias de vida completas foram ao ar.
- Sou incapaz de fazer mais do que uma coisa de cada vez. Às vezes surpreendo-me por não me esquecer de respirar. As eleições aproximam-se e temo o pior. É que ou bem que organizo uma fuga, ou bem que me preparo para o pior.
- No trabalho falo sempre, mesmo quando não vem ao caso, sobre os (so called) novos modelos familiares. Mas adoro, mais do que isso, tê-los em casa para jantar.
- Os voluntários são uma raça estranha. Admiro-lhes o altruísmo, mas assusta-me a certeza com que brandeiam a sua missão, mesmo contra a vontade dos que querem salvar.
- Este blog precisa de um scanner.

Pianissimo


Este é um post lamechas acerca da capacidade que o som do piano solo tem de fazer vibrar em mim algo de essencial, relembrando-me que a vida é algo mais valioso do que a minha capacidade de acreditar. Obrigado Eric Satie, obrigado Chopin, obrigado Rachmaninov, obrigado Debussy, obrigado Ravel, obrigado Bach, obrigado Glen Gould, obrigado Bernardo Sassetti, obrigado Thelonious Monk, obrigado Keith Jarret. Ó budas, será pedir muito reencarnar como uma bela e singela tecla ao serviço das musas? Até prometia deixar de escrever tralha críptica.

Retro Luso-boxes


"N'uma casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa..."

Sugestão pró fds (e dias seguintes)


Uma família decide ir viver para o campo. Isoladas da mediocridade de uma sociedade urbana e opressiva, estas personagens constroem um idílio. Vivem da terra. Têm um negócio. Usam armas, para defender o seu sustento e o seu território. São novos agricultores, idealistas e radicais. Ditam as suas leis e têm o seu próprio líder. São pessoas com medo do caos que procuram uma saída. Um dia, abrem o círculo a um convidado vindo do exterior, outro desacreditado na humanidade. - Agenda do Porto

Vamos faltar à estreia mas não perderemos esta peça. Força aí, Miguel! ;)

Origami me


Recorrentemente admito que seria mais fácil pensar que tudo isto é obra divina, e que pouco podemos contribuir para o andamento das coisas com o nosso arbítrio. Nessas alturas, parece-me mais fácil compreender esses períodos que chamamos de balanço ou de inventário mental, que às vezes coincidem com o início de um novo ciclo (um novo ano é um pretexto tão bom como qualquer outro). A imagem que me vem à cabeça é de que um deus ex-machina qualquer se divertiu a desmontar-nos e, como uma daquelas pessoas que não consegue fazer origamis mais complexos do que um chapéu, não é capaz de voltar a unir as nossas abas.

Maçãs de Adão


Lê-se de uma acentada. Não é nenhuma obra-prima, mas talvez apele à curiosidade de quem vive na Invicta e andas nos 'intas', e sobretudo para quem veio para a cidade para escapar da opressividade moral do interior e abrir os seus horizontes. Já cantava o Lou Reed, e parece-me que se pode aplicar:
"When you’re growing up in a small town
You know you’ll grow down in a small town
There is only one good use for a small town
You hate it and you’ll know you have to leave"

(excerto de Smalltown)

Aurora


Do mal o menos. Percebeu-se pela afluência de público que o pequeno mas simpático auditório do Teatro do Campo Alegre se veio substituir à ausência do Nun'Álvares como sala de cinema. Sobretudo quando o filme em questão já tem quase oitenta anos, e, mais do que isso, trata o amor de uma forma tão despudoradamente cândida que não conseguimos evitar, neste início de novo século, um sorriso nos lábios: Aurora, de F. Murnau, o tal que Truffaut, outro incorrigível romântico, considerou o filme mais belo de sempre. O título original do primeiro filme americano do cineasta alemão diz muito das suas intenções: Sunrise, A Song of Two Humans (como um tal Nosferatu, Uma Sinfonia de Terror). Tudo se passa como numa partitura musical, com ritmos variados, andamentos cruzados, passagens oníricas e piruetas virtuosas. O cinema revelava, com imagens que dificilmente esquecemos e de uma forma que faz tanto sentido hoje como na altura (ou mais, se pensarmos que o filme foi um flop comercial aquando do seu lançamento), como a vida podia ser tão absurdamente trágica como cheia de esperança.

Sole e ombra


Obrigado a um certo luso-italiano que estimula a minha própria capacidade de acreditar nos grandes desafios, achando-me ainda menino para ler as novelas do Luigi Pirandello na língua-mãe (adoro aquelas edições tascabili da Eunaudi). Já entrei na primeira história, que me cativou logo à partida (é o que acontece nas histórias com um protagonista suicida que revê o seu percurso antes do acto derradeiro).

Sexta

Não sei de onde vem, mas sei quando chega. Às sextas-feiras, uma ansiedade irresolúvel toma conta de mim. Só é substituída, ao Domingo, pela ansiedade da segunda-feira. Não quero transformar-me no funcionário especializado em contabilizar os minutos da hora de saída (nem faz muito sentido para quem tem um horário flexível o suficiente para não ficar em pânico se acordar às 11 da manhã), mas o fantasma está próximo. Será a necessidade de cumprir a premissa de ano novo, vida nova (ano novo, fossa nova?). Para todos os que lerem isto, agora que engatei em piloto automático as felicitações: feliz sexta-feira!!

Bora lá dar uns kisses!


Sem dúvida, um dos mais belos beijos entre dois moços que pude presenciar numa tela de cinema. A ver no "Odete", o novo filme de João Pedro Rodrigues. Não fui vê-lo no primeiro dia do ano por receio de ficar em estado depressivo. Preparei-me para emoções fortes e até achei mais "leve" que "O Fantasma", sem deixar de lado o carácter obsessivo que caracteriza as suas personagens. Venham mais filmes dele!

A mente não parou...

... simplesmente está cheia de pensamentos que não podem ser partilhados. Fiquem com um poema vintage do José Miguel Silva.

A CAMINHO DE IDAHO – GUS VAN SANT (1991)

A liberdade conjuga-se no corpo, e esses anos
de prostituto foram os mais felizes da minha vida.
Tinha na carne o livre-trânsito do sexo disponível,
o instrumento da autonomia. Viver, para mim,
era sobretudo ver, ou seja viajar – de mãos livres,
olhos leves, passo jovem – por lugares insubmissos,
de um centro para outro centro. Era uma vida lenta,
sinuosa, sem entraves. Ao mínimo sinal de enfado,
não pensava duas vezes: o primeiro comboio
ensinava-me o caminho. Ficava sempre a ganhar.
Podia passar meses numa cidade (Toulouse,
Barcelona, Roterdão) ou apenas meia noite – era
comigo. Confiava cegamente no inesperado.

E se tivesse tido a sorte de morrer em toda a firmeza
do corpo (antes dos malditos trinta anos),
não precisaria de suportar agora a indignidade
de um horário civil, o paternalismo do gerente,
o boleado tom de voz com que me perguntais
se o arroz-doce é realmente caseiro.


in Movimentos no Escuro (2005). Relógio D'Água

O primeiro filme do ano


Vimos ontem no conforto do nosso lar. Sommerstorm. Que saudades do verão! E como gostava de ter visto este filme há dez anos atrás...

Resoluções para o novo ano (2): não substimar o poder da pop

OLIVIA NEWTON-JOHN - "Physical"
(Steve Kipner/Terry Shaddick)

I'm saying all the things that I know you'll like
Making good conversation
I gotta handle you just right
You know what I mean
I took you to an intimate restaurant
Then to a suggestive movie
There's nothing left to talk about
Unless it's horizontally

Let's get physical, physical
I wanna get physical
Let's get into physical
Let me hear your body talk, your body talk
Let me hear your body talk

I've been patient, I've been good
Tried to keep my hands on the table
It's gettin' hard this holdin' back
If you know what I mean

I'm sure you'll understand my point of view
We know each other mentally
You gotta know that you're bringin' out
The animal in me

Let's get animal, animal
I wanna get animal
Let's get into animal
Let me hear your body talk
Let me hear your body talk

Memorável!

Frente

Verso

Bom 2006!





Recomenda-se


Outras paragens



anodaorquidea[at]gmail.com
 

© O Ano da Orquídea 2004-2007