A mente não parou...

... simplesmente está cheia de pensamentos que não podem ser partilhados. Fiquem com um poema vintage do José Miguel Silva.

A CAMINHO DE IDAHO – GUS VAN SANT (1991)

A liberdade conjuga-se no corpo, e esses anos
de prostituto foram os mais felizes da minha vida.
Tinha na carne o livre-trânsito do sexo disponível,
o instrumento da autonomia. Viver, para mim,
era sobretudo ver, ou seja viajar – de mãos livres,
olhos leves, passo jovem – por lugares insubmissos,
de um centro para outro centro. Era uma vida lenta,
sinuosa, sem entraves. Ao mínimo sinal de enfado,
não pensava duas vezes: o primeiro comboio
ensinava-me o caminho. Ficava sempre a ganhar.
Podia passar meses numa cidade (Toulouse,
Barcelona, Roterdão) ou apenas meia noite – era
comigo. Confiava cegamente no inesperado.

E se tivesse tido a sorte de morrer em toda a firmeza
do corpo (antes dos malditos trinta anos),
não precisaria de suportar agora a indignidade
de um horário civil, o paternalismo do gerente,
o boleado tom de voz com que me perguntais
se o arroz-doce é realmente caseiro.


in Movimentos no Escuro (2005). Relógio D'Água

1 Comentário:

  1. Venus as a boy disse...
    Partilhas comigo?

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