Anita no divã


Se existem denominadores comuns numa geração, daqueles que despoletam conversas a partir das duas da manhã em qualquer bar de qualquer cidade portuguesa, um deles é a remissão para alguns universos da infância, esse inesgotável baú de nostalgia e redescoberta individual e colectiva. O facto de quase todos termos lido as aventuras da Anita, essa que agora completa 50 anos de história, é um bom exemplo. É difícil descortinar o que tanto nos cativava nessa pequena (em vários sentidos) e assexuada personagem que habitava o nosso imaginário. Talvez fosse em parte a escassez de ofertas alternativas, mas também a sedutora puerilidade e a escapista capacidade de gerar fantasias a partir daquelas imagens. Hoje em dia não encontramos facilmente homens que admitam francamente ter lido e relido aquelas páginas(mas que os há, há), em contraste com as mulheres, outrora meninas para quem a publicação parecia exclusivamente concebida. Não havia nada de pedagógico, nada de 'evolutivo' na definição da personagem. Apenas as imagens, docemente anacrónicas e de uma magia académica mas eficaz, que ficaram gravadas no início do nosso crescimento.

7 Comentários:

  1. taizinha disse...
    É a primeira vez que comento um post vosso mas há muito que este blog faz parte dos meus favoritos. Apareço silenciosa e delicio-me com o que escrevem. Gosto.

    A Anita também fez parte da minha infância e de muitos amigos meus (do sexo masculino). Havia uns números (da colecção da Anita) que eram mais dedicados aos rapazes (onde a Anita não aparecia) mas não era por isso que eles não conheciam as aventuras da Anita, do mano Pedro, do cão Pantufa e do gato Pompom (?) (era o nome do gato?, já não me recordo bem). Mas não é para isso que escrevo. A Anita era uma menina boazinha demais, perfeita demais, cozinhava, cosia, cuidava da casa, das flores… Sejamos realistas, alguém conhece uma menina assim? Onde estavam os pais desta maravilhosa menina? Os rapazes, que também liam estas aventuras, ficavam ainda (estamos a falar dos anos 70) mais machistas; aquilo eram tarefas de meninas… Eu li, reli, e voltei a ler… Felizmente não me afectou…

    Gosto muito deste blog. Beijos.
    Anónimo disse...
    O que quer dizer exactamente "magia académica"?
    Major Tom disse...
    Académico no sentido de ser um desenho imperturbavelmente clássico e padronizado, sem arrojos formais ou de conteúdo. Mágico, apesar de tudo, porque mesmo dentro desse espartilho conseguia cativar a petizada...
    Anónimo disse...
    Obrigado.
    Rita Oliveira Dias disse...
    Eu não gostava das estórias mas queria desenhar daquele modo. São assépticos.
    Flávia Leitão disse...
    Olá! Venho defender a Anita, que é sempre atacada pelas mulheres, princpalmente!
    Querida Taizainha, não é presunção minha, mas eu era em criança como descreve a Anita!
    Hoje não serei tão "boazinha" porque já não sou criança!
    Agora eu não percebo a revolta que as mulheres têm em relação às capacidades da Anita (perfeita demais, cozinhava, cosia, cuidava da casa, das flores), qual é a vergonha de saber fazer tanta coisa??
    Eu sempre fiz todas essas coisas!
    Hoje sou uma mulher que sei fazer tudo o que é normalmente associado às mulheres, assim como sei o que se refere aos homens! Se fui assim tão parecida com a Anita, foi porque os meus pais não estavam e eu tinha que bolir!
    Hoje partilho a minha vida com um homem deslumbrante, e somos paridários! Não temos sexismos! Somos uma S.D. (sociedade doméstica)
    Afinal a vida não é só "festa de anos", é isso que a Anita anda a ensinar à 50 anos!
    Se calhar estava na altura de criar um "Anito" para ensinar os homens a fazer alguma coisa! É que a revolução em Portugal deu-se pela negação das mulheres mães-educadoras que em vez de educarem os filhos a fazerem o minimo que lhes assegure a sobrevivência, negaram-se a educar as filhas, se não sabem fazer não se chateam?!?!?!
    Vale a pena pensar nisto!
    Flávia Leitão disse...
    Caro Major essa questão da Anita assexuada, é deveras interessante!
    Se assim for, já não faz mal a Anita saber fazer tantas coisas?!?

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