Surrealizar por aí

Atraído por um fétiche que não se racionaliza, abeirei-me à janela do meu local de trabalho para ver dois homens possantes de uniforme azul, ao lado de uma carrinha azul com cães de aspecto ameaçador a vociferar lá dentro. No ar, ainda um cheiro a queimado invadia os pulmões e a luz do Sol era eclipsada por uma coluna de fumo de um incêndio nos arredores da cidade. Pensei que um animal tinha sido atropelado, mas logo percebi um homem estendido na estrada, à frente do carro policial. Aproximei-me e acabei por ajudar a deslocá-lo para a berma, para o trânsito poder seguir e a ambulância poder chegar ao local. Segurei na cabeça do homem e reparei que a boca estava vermelha de sangue. Tinha tido um ataque epiléptico e mordera a língua. Uma mulher idosa abeirou-se com os olhos esbugalhados. Tinha encomendado ao rapaz um pagamento e pediu para verem se ele tinha os recibos com ele, não fosse o desgraçado morrer e ela ficar sem documentos para provar que era boa cidadã. No passeio, uma varina com o cesto do peixe à cabeça e toda envolta em panos pretos, apesar do calor sufocante, olhava para o segundo andar do prédio em frente, onde uma mulher abeirada à varanda a chamava com ar alarmado. Pensei que estivesse assustada e fosse perguntar o que se passava, mas era mesmo para saber qual era o peixe do dia. A interlocutora não se fez rogada e o negócio começou mesmo ali, com o homem estendido aos pés. O peixe, a bem dizer, não tinha um ar muito fresco.

4 Comentários:

  1. Major Tom disse...
    Felizmente o caso aqui não foi tão grave, mas é capaz de provocar a mesma incredulidade...
    Rita Oliveira Dias disse...
    Uma vez em Sousel vi um homem estendido inconsciente no chão e o meu avó respondeu que não me devia preucupar, que era alcoolico e que a mulher o iria buscar quando fosse tempo. As pessoas pasavam como se ele não existisse.
    Anónimo disse...
    Anónimo disse...

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