Agora eu já não era eu

Tinha cinco anos. Viajava com a mãe para Moçambique, num daqueles navios maiores do que o mundo. Ao atracar, os dois penduraram-se na amurada e olharam para o cais. A mãe, excitada, apontava para o pai, mas ele não conseguia distingui-lo na multidão de pontos minúsculos que se agitavam lá no fundo. O pai subiu a ponte que se instalara entretanto e segurou no filho pela primeira vez. A criança cresceu e tudo levou o seu rumo, como acontece por imposição do tempo. Agora é um adulto, e esteve comigo para me dizer que tudo o que lhe tinha acontecido até aquele dia em que completou cinco anos tinha desaparecido da sua memória, como se a própria existência ali tivesse iniciado. Às vezes o passado pesa muito. Era bom, nessas alturas, poder guardá-lo nalgum sítio e começar tudo do princípio, assim como naquele longínquo cais africano.

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