Nós e os outros de nós



Um: o pretexto
Nas raras ocasiões em que decido dar uma nova chance à televisão, os momentos que continuo a preferir são aquela rúbrica 'no comment' na Euronews. São pequenos excertos de filmagens recolhidas em qualquer parte do planeta, onde apenas a data e o local é identificado numa pequena legenda. Nada mais do que vemos é explicado ou comentado, deixando-nos, enquanto espectadores, espaço para alguma margem de interpretação ou simplesmente perplexidade, o que exercita o cérebro antes da inebriante corrente de mensagens pré-fabricadas que se seguirão.

Dois: a analogia
Tentava ontem convencer um grupo de mulheres, todas licenciadas e com experiência de formação, dessa mesma necessidade de um olhar aberto a todas as possibilidades na construção de uma relação (discutia-se a grande questão da partilha das tarefas domésticas, e foi interessante para mim constatar novamente que neste âmbito o grau académico não é uma variável determinante). Nem avancei com o questionamento do modelo da monogamia sexual ou afectiva (podia ter dito que enquanto seres sociais lidamos melhor com a segunda do que com a primeira), mas simplesmente com a própria possibilidade de repensar a conjugalidade como a (in)capacidade de conciliação de universos inevitavelmente distintos e com algumas zonas de intersecção impraticável. Também introduzi o tópico da pressão social para o casal, em detrimento da opção igualmente legítima de viver sozinho (quase ninguém consegue evitar elencar o conjunto de causas e outras tantas estratégias de resolução da situação, apresentada como deficitária e socialmente 'perniciosa'). No final destas discussões, apercebo-me sempre que, tal como o olhar conduzido pelo noticiário televisivo, é mais simples e pacífico encarar a vida como um suceder de eventos que conduzam à realização da norma.

2 Comentários:

  1. Rita Oliveira Dias disse...
    As pessoas mais insuspeitas frequentemente surprendem-me por um espirito e metas completamente estereotipadas, mesmo quando esses modelos não se harmonizam com a sua experiência, personalidade, desejos fundamentais.
    Exemplo: uma relação a dois que não funciona perante as questões da partilha do espaço, mas em que uma das pessoas se recusa a aceitar a hipotese de proseguir essa relação noutres moldes porque seria o oposto do "progresso natural"(namoro,partilha de casa comum,etc ). Abraço
    Major Tom disse...
    tens razão. o problema não me parece ser só o facto de que a pressão social existe, mas também o facto de normalmente não se considerarem sequer as alternativas...
    bjs

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