Wild at heart
Recordo as imagens e volto a sentir o estômago a pressionar a respiração. Teria catorze anos, já estava habituado a sentar-me sozinho no cinema. Foi no Batalha, por isso sobrava espaço à minha volta e na minha cabeça. Sailor e Lula cantavam e dançavam canções de Elvis e dos Motorhead, na sua sui generis versão de um Verão de amor. Eram perseguidos pela Bruxa má do Oeste (a mãe, na imagem). Os rostos eram os de Laura Dern, Nicholas Cage (difícil de acreditar que é o mesmo, sobrinho de Coppola), Diane Ladd (mãe de Laura, mulher de Bruce Dern, prima de Tennessee Williams), Isabella Rosselini (filha de Ingrid e Roberto, mulher do realizador, à época), ou William Dafoe (homem do teatro). Um clã de nobres genealogias, portanto, reunido sob a estranha batuta de David Lynch, que representa sozinho uma visão de cinema ainda sem descendência e que remete tanto para Buñuel como para George Méliès.
Ecrã negro. Grande plano: um fósforo acendeu em toda a tela, como que a avisar que quem entrasse na história tinha que se preparar para arder com ela. O coração era um selvagem reticente que procurava abrigos onde pudesse combater a sua própria combustão.