As cores de Monica Vitti


Era inevitável que o documentário sobre o cinema italiano - A minha viagem a Itália - do Martin Scorsese, que passou na 2 nas últimas semanas me fizesse viajar no tempo várias vezes, com imagens que me invadiram a alma de nostalgia. É importante para mim relembrar o efeito que o cinema teve na minha adolescência, e devo-o em grande parte a alguns daqueles mesmos filmes que o Scorsese relembrou. O remate, com Antonioni, foi poderoso. Como descrever a perplexidade perante o vazio e a tristeza no olhar da Monica Vitti? Ou do Alain Delon, por quem seguramente VIsconti se terá apaixonado, ao oferecer-lhe o papel de protagonista em Rocco e i suoi frattelli, que ficou de lado no documentário, ou mesmo em Il Gattopardo, um dos meus preferidos? Interessante pensar que tudo se centrou no período da infância e adolescência do próprio Scorsese (terá sido propositado não haver uma única imagem a cores, para além da gloriosa excepção do Senso?) e talvez seja até redutor a forma acrítica como enfia quase tudo, no início, no saco pouco definido do neo-realismo. Pensando bem, é até redutor incluir tudo isto numa mesma cinematografia nacional: não encontramos mais pontos em comum entre um Wong-Kar Wai e um Antonioni do que entre este e, digamos, um Fellini? Mas é interessante, contudo, perceber como também o cinema pode contribuir para forjar uma mitologia nacional (sobretudo em Itália, um país que se calhar nunca existiu).
Pouco depois, Fellini, Visconti, Rossellini, De Sica e Antonioni partiram para viagens muito pessoais. A referência bibliográfica fundamental é A Política dos Autores (conheço a edição antiguinha da Assírio & Alvim), compilação de entrevistas realizadas pela equipa dos Cahiers de Cinéma, aquela que logo após se tornou ela própria a geração seguinte de cineastas com maior impacto na história do cinema, também dentro de um saco gritantemente redutor - a nouvelle vague. Jean-Luc Godard entrevista Antonioni, e este explora a valorização do clima criado pela paisagem e pelos cenários para conferir densidade às emoções dos seus personagens (que chegam mesmo a prescindir da palavra, em muitos casos), assim como os significados da sua psico-fisiologia da cor. Deserto Rosso é mesmo assumido como um ensaio sobre o uso da cor, onde se chega mesmo a mandar pintar com cores vivas uma unidade industrial, que se torna assim numa imagem com um sub-texto psicológico fundamental na narrativa. E aquele magnífico quarto vermelho...

2 Comentários:

  1. Anónimo disse...
    Também assisti ao documentário desta semana sobre o cinema italiano, e aproveito por isso para saudar o seu excelente comentário. Infelizmente, desconheço muito do cinema italiano referido neste documentário (com excepção de Fellini) e gostaria de saber que cineastas se encontram editados em DVD para poder emendar essa grande lacuna. Agradeço antecipadamente qualquer ajuda neste sentido.
    Major Tom disse...
    Sinceramente não estou muito a par das edições que têm saído, isto é tudo muito memória de salas bafientas de cinema e de cassete vhs (regravável). De qualquer das formas, penso que quase todos os filmes referidos se podem encontrar facilmente, embora seja pouco provável que alguns deles tenham edição portuguesa (o que pode ser problemático, tendo em conta a qualidade de som de alguns deles).

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