Raimundo & Tom

Soube há dias que se separaram. Era mais fácil para mim conceber que a torre Eiffel fosse oferecida ao Canadá ou que uma baleia fosse vista a passear no parque da cidade. Não é só porque estiveram juntos mais de vinte anos, mas sobretudo porque foram o primeiro casal gay que eu conheci em toda a minha vida. A convivência com eles fez com que inadvertidamente se tornassem um modelo, divertido e acolhedor. Encontrei-os em Turim, onde ocupavam todo um primeiro piso de um típico prédio piemontês (ou seja, um pátio no meio, e a casa a toda a volta, de modo que da entrada víamos a última divisão do outro lado, um quarto). Raimundo era brasileiro e Tom americano, e muito embora tivessem já vivido noutros países (ou talvez por isso mesmo) pareciam conservar ainda uma matriz identitária. Lembro-me de um perú recheado no thanksgiving e de uma feijoada estrondosa com todos os preceitos. Até à data, tinham adoptado quatro crianças: duas delas viviam ainda com eles e os dois mais velhos estudavam nos EUA. Pareceu-me que com a sua partida de Itália levavam toda a alegria da cidade, mais dada a uma sobriedade cinzenta e um pouco austera. Perdi completamente contacto com eles, mas fui sabendo novas por amigos comuns. E finalmente a notícia da separação, como se o tempo fosse uma simples maré da estação, a lembrar-nos da perenidade de tudo, mesmo do que é eterno.

3 Comentários:

  1. LeGourmet disse...
    Também houve tempos em que achei que a minha relação só acabaria quando a Torre dos Clérigos fosse plantada no Rossio, mas a verdade é que nada é eterno e, de um momento para o outro, as nossas certezas podem desmoronar-se!
    Major Tom disse...
    por isso, e embora perceba que procurar certezas é humano, sempre tive pavor delas.
    Venus as a boy disse...
    por isso a minha estranheza por este post que publicaste...

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