Vida de café
Existe um antes e um depois da vida de café, apercebo-me agora. No desconforto de cadeiras que desafiavam regras básicas de ortopedia e do chão sujo dos wc dos cafés do Porto consegui fazer uma licenciatura e devorar uma bibioteca inteira, ao mesmo tempo que fumava duas toneladas de Camel e meia de Gauloises Blondes (aqueles que o Léo Ferré preferia). Magestic, Guarani, Imperial e Aviz (todos antes das obras de reconversão), Ceuta, Piolho, ou aquele proletário na praia do Homem do Leme, na Foz. Depois assentei, deixei de fumar, terminaram os flirts de olhares penetrantes mas inconsequentes, tudo engolido pela duvidosa boémia de uma sala de estar com aparelhagem de som e DVD. Ficou o eco das conversas e gargalhadas, do burburinho das colheres e máquinas espresso, do corropio urbano docemente encurralado, dos encontros não programados com a amizade. Se a memória fosse um holograma, a minha imagem devia ainda pairar naqueles cantos junto às janelas, onde podia contemplar o mundo de dentro e o de fora, que pareciam o planeta inteiro.
- Era um cimbalino, se faz favor!
O antes e o depois de Crohn!
E este último, foi mais complicado, porque foi forçado!
Hoje não suporto estar num café, a não ser que esteja sózinha e tenha o que ler!
A sobriedade mental é uma coisa que não encaixa num café! Nada me distraí, nem o cigarro, nem o mexer do café, nem roer unhas, nada me distrai! É um horror!
Socializo entre as paredes da minha casa, que recebem toda a gente, sempre... mas na hora de se partir para o café, fico à janela a sorrir!! Deixá-los ir!!
Um sofá, por favor!