Geringonça sentimental II
Olho a tua nudez sem sentir o mundo poisar ao meu lado.
Criei o estranho vício de habitar o teu corpo. Sou o teu fantasma. És a minha encarnação. Dois espelhos em contemplação, eufóricos, e que se descobrem um no outro, cada um pedaço de terra breve que se verte no solo da eternidade humana. Dispo-te, e procuro dias nos teus braços, noites no teu cheiro e tréguas na tua pele. Substraio-me aos dias que viajam dentro da minha retina, sem nunca chegar a um porto. É no silêncio e no escuro que voo como um peso a rasgar o espaço e os muros do medo. Adormecido sobre o mundo, espalhas-te em mim para eu te beijar, inocente de quem bebo a vertigem dos sentidos.
Por isso te peço que me arranques ao sossego só mais um bocado, apenas o tempo de eu enfiar o universo inteiro dentro da cabeça, abrir os olhos e iluminar o que vejo. Quando o fizer, ainda seremos dois corpos, mas cada um dentro do seu, a trocar amor como quem oferece uma razão para chegar a outros dias, talvez grávidos de sorrisos.
- Não posso! Não posso deixar tudo o que conheço por outra vontade que não seja a minha!
- Então deixa-me navegar no teu mar, dar-te a mão e aprender como tudo se passa em ti!
- Está bem, mas só por um minuto. Anda! Entra em mim! Que não há dois mundos quando se encontra a intimidade...
- Como és bonito! És feito de verdade, de toda essa verdade que desejo, receio e já tenho saudade... porque já passou um minuto...
- Então até sempre! Deixo-te um segredo: faz com que este mundo que tanto te seduz, cresça dentro de ti, num minuto ou numa vida...