Amealhando algumas horas de trabalho extra e adiantando serviço de final da semana, consegui reunir condições para me deslocar a Lisboa, para aquele que prometia ser um momento importante de encontro de reflexão e de visibilidade sobre a reivindicação do casamento civil para pessoas do mesmo sexo. Num primeiro painel, a que já cheguei atrasado, tive o privilégio de assistir a uma desconcertante e desafiante apresentação de Daniel Borrillo sobre aquilo que entende ser uma “nova etapa da modernidade política e jurídica”. Com uma linguagem para mim nem sempre acessível (sempre tive dificuldade em penetrar no idioma jurídico) fez uma pequena resenha histórica acerca questões legais em torno do matrimónio, destacando a sua concepção perante o direito moderno como uma comunhão de vontades, passando então para a sua reivindicação por parte do movimento gay e lésbico. Destacou aqui a questão da SIDA enquanto fenómeno que despoletou a necessidade de um alargamento da protecção legal, em relação a questões como a propriedade comum ou mesmo a assistência ao parceiro enfermo. Para Borrillo, o que temos vindo a assistir em termos de descriminalização e de concessão de direitos para casais de pessoas do mesmo sexo é algo que se situa ainda no registo da tolerância, ao passo que o casamento se inscreve já no plano do reconhecimento pleno da igualdade e da legitimação da sexualidade, constituindo, como tal, uma radicalização da modernidade e despoletando muito maiores resistências. Tal como o movimento feminista, que provocou uma ruptura entre a sexualidade e a reprodução, o movimento gay e lésbico poderá implicar, no âmbito da homoparentalidade, uma nova ruptura, desta feita entre reprodução e filiação (existe a necessidade de reconhecimento de estatuto de filhos biológicos que não pode passar apenas pelo regime de adopção).
Ref.: Homofobia, de Daniel Borrillo (2001). Barcelona: Edicions Bellaterra
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