A não-escola


No décimo ano, ainda mal sabia eu o que era a vida, fui convidado por dois colegas de turma para participar num projecto que eles tinham planeado para a semana cultural do liceu. Deram-nos uma sala e carta branca. O resultado foi algo próximo de um motim escolar. Vedamos o acesso à sala, forrámos todas as entradas de luz, e criámos uma espécie de labirinto de mesas e cadeiras empilhadas, por onde o visitante tinha que circular, espreitando aqui uns poemas urbano-depressivos, aqui umas críticas anti-capitalistas, acolá uma instalação feita com um televisor estragado, uma torneira e muitos sapatos colados ao longo do quadro e pelo tecto fora. Na altura apenas um de nós tinha uma aparelhagem, mas só tínhamos dois CD’s, que serviram de banda sonora à coisa: as alternativas eram Dead Can Dance ou Ella Fitzgerald com Louis Armstrong, cuja música ecoava em todo o pavilhão leste. À entrada, era oferecido aos visitante um pedaço de giz e um convite para escrever um comentário pessoal num local qualquer da sala. Foi um sucesso estrondoso, tanto entre alunos como entre os (poucos) corajosos professores que decidiram entrar. O evento marcou também o início de uma longa e visceral amizade, que resultou mais tarde em duas paixões platónicas que me deixaram esgotado. Lembrei-me de tudo isto ao visitar a panfletária intervenção de Thomas Hirschhorn no Museu de Serralves. Com todo o seu apelo tão cândido como pretensioso à revolução do papel da arte e da educação, a Anschool (‘não-escola’, o nome da exposição) chamou por mim de volta a esse lugar despudorado para onde viajei naquele pavilhão do liceu. É estranho ver agora esse lugar assim tão cristalizado e monitorizado, tão feito peça do regime.

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