Sentido único
E aos cinco anos descobria a diferença. O primeiro sinal: a asma. Não podia correr como via correr toda a petizada da rua. Por muitas ganas que tivesse, o fôlego traía-me a vontade e entrava em sufoco. O segundo sinal veio pouco depois, com a entrada na escola: não é que o lápis só se entendia com a mão esquerda? Ainda tentei, disfarçadamente e por iniciativa própria, fazer como os outros, tão aplicados e destros (ocorreu-me só há pouco esta terrível identificação: escrever com a direita equivale a destreza), mas logo tive que me render, e, no meu primeiro processo de outing, confessei angustiado a minha diferença. Por volta dos treze anos despedi-me de Deus. Tornar-me ateu foi um processo de libertação que ainda não terminou. Deixei de me sentir culpado por me masturbar, mas ainda dou comigo, ao olhar em meu redor, a ser minoritário. Um outro sinal de diferença cresceu com o tempo: ser melómano ou cinéfilo, amar a cultura como se tratasse da própria fonte da vida. Na altura não parecia ser esse o projecto de mais ninguém e também aí me senti em antítese. A homossexualidade só a deixei emergir mais tarde. Ao assumir ser asmático, canhoto, ateu ou homossexual, eu interiorizava a ideia de que não tinha sido feito para este mundo, estava como que em rota de colisão. Só com o tempo me apercebi de todas as outras diferenças que nos distanciam a todos, de uma forma ou outra da norma, que não se diz. Não se fala em não asmáticos, em crentes, destros ou heterossexuais, apenas se presume que as coisas são assim. Talvez isso explique esse ruído promissor que é o de uma estrada que se rasga noutros caminhos, ao lado de uma placa de sentido único.
Fica bem!
é tudo muito fruto do momento, ainda não estou seguro se é melhor falar numa colecção de diferenças (porque decididamente elas não têm o mesmo peso, conforme o contexto) ou numa pura e simples noção de diversidade (que ao mesmo tempo também parece demasiado naif e pouco problematizante)
abraço
Abraço