Em estado quase

Está a ser fantástica esta sensação de ainda não ter ido de férias, quando já todos regressam. Sou olhado com inveja, e, perdoem-me a perfídia, mas talvez seja esse um dos gozos maiores. Como o Variações, não consigo dominar este estado de ansiedade. Estou com o sono todo baralhado, e a tentar controlar-me para não começar já a fazer as malas (talvez hoje já seja razoável, faltam três dias). Gosto da ideia de demorarmos bastante a chegar lá. Primeiro, um autocarro para o Porto, daí camioneta para Madrid, onde passamos uma noite; ao início da tarde do dia seguinte, metro para o aeroporto, onde apanhamos um avião para Ibiza; daí, um transporte para o porto, onde nos aguarda um barco para a nossa ilha. A partir daí, só se circula de bicicleta e de modorra. A ver se não me esqueço de levar comigo toda a tralha má que acumulei na cabeça ao longo do ano, enfiá-la num cesto, e carregá-la até bem lá ao alto do penhasco onde fica um dos faróis de Formentera, para então a largar no abismo.

Volver


Para quem é fã do Almodóvar (como eu!) deve estar a aguardar ansiosamente pela sua próxima "película". Espera-nos uma história de fantasmas, de personagens femininas como protagonistas principais e o regresso da fantástica Carmen Maura. Ainda temos de esperar alguns meses, enquanto isso podemos sempre ir acompanhando os seus desenvolvimentos.

Masturbação, pró bem da nação

"- Hei, não digas mal da masturbação! É fazer amor com alguém que eu gosto."
Desta famosa boutade de Woody Allen até ao mito dos pêlos que crescem na mão ou à cegueira de quem a pratica vai uma grande distância, não tanto temporal ou geográfica como cultural. Radica na origem do regime de sexualidade de que ainda hoje somos herdeiros a ideia de pecado associada à ejaculação solitária, ligada ainda à ideia pouco científica de desperdício, como se a cada homem coubesse uma quantidade pré-determinada de esperma que ele deve gerir ao longo da sua existência. Do lado oposto, temos a masturbação associada à exploração moderna do prazer hedonista. Ambas as visões coexistem por vezes em contextos muito próximos. Eu próprio percorri esse caminho. Lembro-me de me sentir profundamente culpado sempre que acontecia, e da sensação libertadora que constituiu o ter-me descartado dessa culpa com o tempo. Depois dessa, muitas outras libertações se seguiriam...
O Nuno Nodin, nesse tão divertido quanto pormenorizado "Sexualidade de A a Z", a que já aludi noutras alturas, encontrou, entre outros, os seguintes equivalentes termos na gíria popular, uns mais explícitos, outros um pouco mais enigmáticos:
Abanar o pífaro, amolar a ferramenta, amolar o canivete, aquecer a máquina, cega, cinco contra um até vomitar, descascar a banana, esgaçar o pessegueiro, espancar o golfinho, espremer o limão, contar azulejos, gloriosa, limpar o cavalo, matar o zezinho, rosca, puxar as orelhas ao macaco, tocar trombone de varas, vir-se na tocha, uma à mão, uma de cinco, uma de cinco dedos, tocar à pifa, tocar flauta, tocar ao pífaro, tocar ocarina de cabelo, servir-se da mão, sacudidela, segóvia, self-service, punhetear, pívia, vício.

Kizomba!


Imbuído de um genuíno espírito etnográfico, e derrotado pela persistência dos convites de amigas, participei na minha primeira noite de kizomba. A 'experiência' dá-se todos os fins-de-semana no River Café, um grande paivilhão à beira-rio, na zona de Lordelo. Chegados, reunimo-nos a conhecidos de conhecidos e, munidos de um copo, damos início à nossa observação participante, meneando suavemente a anca para uma integração mais eficaz no ambiente. A pista ainda tem muitas clareiras, mas já se respira alguma ansiedade. Uma grande porção são adolescentes: elas, hiper-produzidas, de umbigo à mostra, salto de agulha bem alto, cabeleira geralmente longa (ondulada com mousses, nas brancas, em tranças, nas negras); eles de biceps bem bombeados, pouco cabelo empastado em gel ou rapado, sobretudo os negros. Noto a fraca presença destes últimos. A minha amiga diz-me que eles preferem a Number One, mas mais tarde aparecem todos por ali, ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo, interrogo-me como se deixaram todos os outros seduzir por este fenómeno. Terão todos um passado africano? Será isto um testemunho presente da nossa mestiçagem?
Alguns matulões, verdadeiros monumentos crioulos, permanecem atentos mas imóveis junto aos balcões que circundam a pista. Parecem aguardar o momento certo, que parece nunca chegar, e saí de lá sem perceber se eram todos funcionários de segurança. Um animador salta para a mesa do DJ e anima as hostes com uma linguagem parte hip-hop, parte algo parecido com a tabanca cabo-verdiana. A multidão aquece e todos começam a sintonizar-se, como uma vaga humana levada ao rubro, muito concentrada. Há um odor explicitamente macho no ar. Elogiam-se as mulheres, a sua beleza, repetem-se insinuações e piropos. Claro que me sinto desconfortável. Começo a imaginar a reacção da multidão se de repente dois homens se agarrassem daquela forma. Não me imagino a regressar, sou demasiado racional, e ali é preciso ser todo corpo. Não que não goste de dançar, muito pelo contrário. Há ali algo de profundamente cardíaco e erótico, só que exclusivamente heterossexual. Ainda assim, feito o balanço, acho a visita interessante para todos os curiosos e fundamental para os mais cépticos. Ainda não sei a qual dos dois grupos pertenço.

Boujour Vendredi! Au revoir semaine de travail!


Começo o meu dia de trabalho a escutar "8ème Ciel" de Katerine. Uma forma bem disposta de entrar no fim de semana que se aproxima (apesar de a essência das letras das canções não ser muito alegre). :)

A insustentável redundância do ser


Há alturas em que desespero com toda a ignorância que cabe neste mundo. Tenho encontro marcado com ela, diariamente, no acompanhamento de adultos em processo de certificação. Ele é porque não separam os lixos e acrescentam que não o tencionam fazer (é sempre muito longe de casa, o que quer dizer que não é à porta de casa); porque arranjam esquemas para se livrarem das multas merecidas pelas alarvidades que cometem dentro de um carro; ele é porque escrevem 'desogorizante', 'entrevalo' ou 'árvore ginecológica' e acham que está correcto mesmo depois de lhes chamarmos a atenção; ele é porque acham que tudo lhes é devido, menos pagar os impostos e ir votar, que é uma seca e os políticos são todos iguais, e portanto pedem-nos que façamos aquele jeitinho (porque precisam sempre mais do certificado do que todos os outros mil e quinhentos adultos que relembramos terem entrado em processo antes deles), ou porque acham que afinal eles é que nos estão a fazer um favor e nos respondem com um ar enfadado que até arranjaram aquele contrato de trabalho que nós (!!) queríamos; ou, finalmente, porque o comentário escrito a um livro, quando muito, é sobre a última edição do Readers Digest (e já é um pau, que a Maria, a Nova Gente ou a Bola é que trazem o que interessa); quando afinal existe um livro, é invariavelmente "Os filhos da droga", se for um pós-adolescente, ou o "O Poder da Mente" e "A Vida no Além", se for mulher acima dos quarenta. Estou farto que não percebam o que é 'tirar medidas', 'tomar iniciativas' ou 'iniciar um diálogo', de explicar o que é um projecto ou um objectivo, ou que torçam o nariz quando sublinhamos que sem saber usar um computador não há certificado para ninguém, por muito que nos queiram convencer do contrário, com o pretexto de que nunca vão precisar de tal coisa. Estou pelos cabelos com o "dê-me, dê-me, dê-me" e "rápido, que não posso perder tempo com porcarias sem interesse, é só mesmo pelo diploma".
BASTA!!! A partir de hoje, só falo com pessoas que me provem ser capazes de sair do reino que ergueram à volta do seu próprio umbigo.

Photo patchwork


Para quem segue a série Sete Palmos de Terra deve reconhecer esta foto. Segue o link com outros trabalhos desenvolvidos pela "Claire Fisher" na sua carreira de artista plástica e fotógrafa.

O boca de sapo


Um belíssimo objecto de design, uma montra tecnológica, um ícone do século XX, um veículo topo de gama, um objecto de museu e um dos automóveis mais vanguardistas produzidos até hoje pela marca do double chevron.
De pequeno, quando via algum destes carros a passar por mim na rua, encolhia-me com medo, muito medo! Aquela frente era verdadeiramente assustadora! Anos mais tarde vieram o fascínio e a admiração. Se não gastasse quase 20 litros aos cem até que gostava de ter uma máquina daquelas!
A 1 de Outubro faz 50 anos que foi mostrado pela primeira vez ao público.

Assunto: coisas de cá

Cara C.
não sei se partilhas comigo esta angústia, mas ando às voltas com a decisão de começar os trabalhos para o segundo semestre. Se já conseguiste avançar, por favor diz-me qual é o truque.
Ontem vi um filme francês que penso que ias gostar: De tanto bater o meu coração parou. Fala de um rapaz estilo rufia que ganha a sua vida a meter medo aos outros. Apesar disso, tem uma costela sensível e artística (que descende da mãe desaparecida), e acalenta o sonho de vir a ser pianista. Nós assistimos à sua luta para se apresentar numa audição para o conservatório com uma tocata de Bach. Fez-me pensar imenso naquele lugar distante onde às vezes habito quando estou no trabalho ou até nas aulas, cheio de imagens, melodias e sonhos de vários tamanhos e feitios que fui largando em apeadeiros da vida.
Conta-me coisas.

9 x cinema lgbt


Uma vez mais a Associação Cultural Janela Indiscreta promove o Festival de Cinema LGBT de Lisboa. A programação já se encontra disponível. Infelizmente este ano não vamos poder ir :(
Para quando o regresso de uma extensão deste festival ao Porto? Certamente não será por falta de público!

Cândido, segundo Voltaire


Lê-se numa tarde esta alegoria cínica e fantasiosa sobre o universo Iluminista. Nela, Voltaire relata as aventuras e (sobretudo) desventuras de Cândido, um antigo preceptor, e seus companheiros de viagem: Pangloss, o filósofo optimista e Martin, o eterno pessimista (nos dias de hoje, o primeiro veria a retirada dos colonatos israelitas como o início de uma resolusão harmoniosa do conflito; para o segundo, pelo contrário, seria apenas mais uma etapa na caminhada inevitável para o abismo). Viajando de terra em terra, incluindo uma estadia no mítico Eldorado (onde quase se morre de tédio, de tanta riqueza e harmonia) e após uma sucessão de tragédias, a odisseia finalmente termina com a reunião de todos os personagens, incluindo o reencontro com a amada Cunegundes(!), e todos reflectem sobre o sentido da vida. A conclusão é quase anti-filosófica: seja qual for o significado de tudo isto, ele só se encontra no trabalho, que nos liberta de três calamidades: o aborrecimento, o vício e a necessidade. Se Voltaire o diz...

New look


O Ano da Orquídea - versão 2.0


O Ano da Orquídea - versão 1.0

Posso dizer que já serviram para alguma coisa aqueles 6 meses passados a fazer um curso de Programação de Páginas Web, em horário pós-laboral, 3 vezes por semana. Foi muito cansativo mas aqui está o resultado do meu primeiro trabalho online: O Ano da Orquídea - versão 2.0! Que tal, gostam? Espero que não vejam nada desformatado... Fico a aguardar pelos vossos comentários e sugestões.

Capilarmente falando...


Dizer que na amizade nunca existe tensão erótica é mentir. Num diálogo que começou pela minha breve e desinteressada alusão à necessidade de me despedir dos caracois que ameaçam tomar conta do meu couro cabeludo (como acontece, com precisão matemática, cada quatro semanas), e que teve como réplica a destreza verbalizada pelo meu interlocutor na arte do corte do cabelo ao namorado e amigos, e sabendo ambos que possuo um kit completo de cabeleireiro doméstico, fomos incapazes de avançar para o passo seguinte, que parecia evidente neste seguimento. A prova de que, tal como a massagem de pés, nesse antológico diálogo entre o Samuel Jackson e o John Travolta no início do Pulp Fiction, não há nada de inocente num corte de cabelo entre amigos? Por mim admito a fraqueza. Agora que o wc cá de casa se transformou mensalmente num salão de beleza, apercebi-me que me fazem falta aquelas massagens ao cocuruto e outros mimos dos profissionais capilares.

Foto da série haircut, de Justin SImone.

E agora éramos os cinco!


Ainda me acontece, quando visito um castelo ou entro numa gruta, ou quando olho para a Ínsua de Moledo, imaginar-me dentro de uma aventura da Enid Blyton. A matriz do meu imaginário adolescente deve muito a essa pérola da literatura juvenil: Os Cinco. Anos mais tarde tive oportunidade de assistir com grande desilusão à versão televisiva da série. Para mim era impossível associar aqueles cinco amigos àquele sucedânio desensabido que eu via no pequeno ecrã, quase ofendido. Acho que aprendi com eles o valor da amizade, do trabalho de equipa, um bocadinho sobre o crescimento e o gosto pela literatura. Da mesma autora ainda li uma colecção da minha irmã: As gémeas no colégio, mas não criei empatia com as personagens. Claro que, sob um olhar adulto e cínico, poderia desmontar tudo aquilo e afirmar com arrogância que havia ali algo de etnocêntrico, chauvinista e até sexista (não era a Zé uma maria-rapaz angustiada e a Ana uma florzinha de cheiro sensível e medricas, mas adorada por todos?). Nevertheless, havia também a magia que me fazia mergulhar noutro universo, cheio de mistérios, surpresas, brincadeiras e lanches que realmente me abriam o apetite.

Quem vê rabos...


Antes de mostrar às minhas colegas de trabalho as fotos do fim de semana, pedi-lhes para desviarem o olhar só por uns segundos para evitar que descobrissem alguma imagem que eu queria censurar. Claro que só conseguir aguçar ainda mais o apetite. Ainda lhes disse que não me importava de mostrar o meu rabo, visto que faço naturismo com frequência, mas não era só eu que aparecia nas fotos. Ao que elas respondem que quem viu um rabo viu todos. Semelhante disparate só poderia vir de uma bando de mulheres heterossexuais. Já apanhei rabos que me faziam lembrar outros, mas nunca na minha vida encontrei um igual em toda as suas dimensões: contorno, cor de pele, pilusidade, textura ou tamanho...

PS: volto já, é só o tempo de um donwload de um filme porno.
Foto de Steve Henry

Sado

Entre Sado e Paris


Fim de semana regenerador, na zona de Alcácer do Sal. Depois de sobreviver ao inferno da A1, onde se concentrou o país inteiro, o quarteto fantástico atacou a praia da Comporta e optou por não fazer absolutamente nada a não ser sacudir a areia que se enfia entre os dedos dos pés e dar pequenos saltos na água para acompanhar a ondulação marítima. Entre o deslumbramento pela beleza melancólica de um fim de tarde no estuário do Sado e um jantar de batatas de reboleira, fui derramando o olhar pela linhas de um pequeno Edmund White - Paris, Os Passeios de um Flâneur. Aqui, o autor discorre livremente sobre a sua visão pessoal da cidade, intercalando faits divers históricos com apontamentos comparativos entre duas culturas, a americana e a francesa, especialmente em torno de temas como o desprezo francófono pela política da identidade, cuja raiz reside na dimensão universalitsta da ideia de igualdade. São quase duas cosmovisões. White nunca recusaria ser classificado como um autor gay. Um escritor francês na mesma situação bradaria aos céus, não por ter internalizado a homofobia, mas porque a diferença é algo que agride a construção da democracia que nasceu da revolução de 1789.
Pensei como seria interessante que os arquitectos se sintonizassem com este tipo de reflexões, para contrariar um pouco a megalomania tecnicista e sem rosto com que têm brindado as nossas cidades. Para esses, recomendaria também outras duas obras que pessoalmente me seduziram, ambas da responsabilidade do Carlos Fortuna:
1997 - Cidade, Cultura e Globalização. Ensaios de Sociologia (Organizador). Oeiras, Celta [em 2ª edição].
1999 - Identidades, Percursos e Paisagens Culturais. Oeiras, Celta.

Us the family


Tenho estranhado estas últimas quintas-feiras. Oficialmente, é o dia de reunião de família, o que quer dizer jantar em casa dos pais, com a irmã, cunhado e sobrinhas. Estando estes de férias, acabo por ficar a sós com os meus pais, o que, apercebo-me agora, é uma situação bastante rara nos últimos anos. Revejo neles o meu próprio incómodo com a situação, como se já nenhum de nós se lembrasse como se desempenha este papel. Supreendentemente, os encontros têm sido bastante regados com conversa. É como se a tensão que eu recordava existir entre nós se substituísse agora por uma espécie de serenidade, sobretudo sem a presença de crianças, que são naturalmente catalizadoras de toda a atenção e energia. E assim, conversamos. Falamos de coisas simples: comida, lugares, a alteração do trânsito na rua ou as festas de Caminha. O Venus está no seu próprio jantar semanal, mas também aparece aqui, no diálogo. Sabemos que não podemos já ir muito longe, mas gosto desta espécie de harmonia momentânea que se desenha em cerca de duas horas. Sei que é assim porque é efémero, mas ainda assim é um reencontro, e fico contente por isto poder existir entre três pessoas que já formaram outrora um outro círculo afectivo, num tempo em que todas as tempestades do crescimento ainda não se vislumbravam no horizonte.

As minhas cidades - Porto


É difícil falar do sítio onde crescemos e vivemos. A nossa história e a da cidade confundem-se e imbricam-se, ao ponto de não nos apercebermos que somos duas entidades distintas senão em duas situações: quando saímos, especialmente durante um período prolongado, ou quando mostramos a cidade a um visitante (o que nos obriga a uma paragem reflexiva que nos coloca no lugar de um outro, logo com um novo olhar). Regressar ao Porto significa ter que lidar com os seus cinzentos graníticos e com as suas tardes chuvosas, o clima traiçoeiro e a escuridão das suas ruas a certas horas. Significa engolir diariamente com um Porto jabardo, politicamente irresponsável, com o lixo espalhado por todo o lado, os prédios degradados, cartazes colados anarquicamente, trânsito infernal e condutores tresloucados, um rio poluído, becos e ruas a cheirar a urina, caca de cão a forrar passeios inteiros, e o deserto nocturno, aumentado pela má iluminação. Mas quem lhe der tempo, para além do seu provincianismo e da tacanhice da sua mentalidade de tasca e futebol, é capaz de ter o previlégio de conhecer uma outra cidade, a que acalenta o sonho cosmopolita que espreita mais em momentos do que em espaços, embora seja impossível passar ao lado de Serralves, da rua Miguel Bombarda, do Rivoli, dos novos Teca e Casa da Música, da beleza da rua das Flores, cantada por Eugénio de Andrade, o Passeio Alegre e a Foz velha, a tranquilidade semanal do Parque da Cidade, do Palácio de Cristal, do Jardim Botânico ou da zona das Virtudes, ou o simples deslumbramento com o pout pourri arquitectónico, que guarda no meio de tudo lugar para uma desconcertante livraria art nouveau: a Lello & Irmão. Para além de tudo, é a minha cidade, e eu como que domino o seu funcionamento. Sei que nela habitam vários credos, culturas e linguagens, e enriqueço-me diariamente com esse colorido que irrompe do cinzento para o esmagar. Ainda é um lugar onde sei que posso crescer, e onde eu sinto que posso ser esta entidade mutante do urbanismo pós-moderno: anónimo e invisível, pequeno como uma formiga engolida pela selva, mas também um cidadão activo e curioso, que pode saciar aqui a sua sede de mundo e imprimir nele o peso do seu toque.

And now for something completely different



De vez em quando, um amigo vem-nos lembrar que é bom deixar de procurar um sentido para tudo o que nos rodeia. Chegou a minha vez. Só têm que entrar AQUI e deixar o vosso comentário depois.
PS: para mim os irmãos Marx continuam a ser os reis do nonsense, passados estes anos todos (logo eu que, quando me desleixo no corte do cabelo, tenho sérias afinidades físicas com o Harpo)

Mecânica de Verão


Alexander Harrison, Children on the Beach

Preparar a marmita com o lanche, apanhar no caminho alguns amigos e partir naquela estrada à procura de um rio não poluído. Ele há melhor maneira de passar uma tarde de Domingo? Hoje em dia, com um carro, as novas vias rápidas e auto-estradas, já podemos improvisar um programa destes no próprio dia. Nada que se pareça com outrora, em que tudo era laboriosamente preparado antecipadamente, incluindo farnel, uma mega-tenda de praia e respectivos acessórios balneares, e um percurso mais acidentado que uma montanha-russa nas famosas camionetas do Espírito Santo até Lavadores, já com cheiro a Nívea e água de colónia Ach Brito. Aí aguardava-nos uma multidão encafuada em pequenas enseadas de areia, com os altifalantes a bradar durante todo o dia pequenas pérolas da publicidade radiofónica como: "Sapataria Charles - indispensável para a elegância feminina" ou "Quem quer bom e barato vai à oficina Joaquim Saldanha Limitada". Para uma criança, tudo aquilo era um mundo a explorar com voracidade, desde os desafiantes saltos das rochas para a areia, devidamente amparados por uma toalha transformada em capa de Superman, até às saudosas pataniscas de bacalhau, cuja digestão aguardavamos com ansiedade existencial para podermos ir outra vez para a água.
É verdade, caro Leo Ferré, avec le temps, tout s'en va...

You're my star!


Como é bom termos um caxuxo lindo que nos oferece coisas tão belas! Ora vejam e ouçam!

Porto, 30º C


Não aguento este calor! E ainda por cima estou aqui fechado dentro deste escritório sufocante na Baixa do Porto :( Só me apetece estar dentro de água fresquinha... Mas não muito fresca porque eu sou muito friorento! Ninguém me apanha na água daqui das praias do Norte!
Já repousei os meus olhos na tranquilidade destas fotos, para ganhar forças e regressar ao trabalho.

Desordens de leitura


Aproveitando o cheiro a férias (dos outros), relaxo um pouco as leituras do mestrado e pego em livros encostados nas prateleiras. Desta vez, um texto do cineasta-sociólogo João Mário Grilo, que foi para mim durante anos um modelo a seguir. Dizia para os meus botões: "primeiro acabas esta estopada da Sociologia, começas a trabalhar, e com o tempo vais-te aproximando do cinema". Bem, o tal do tempo acabou por me levar noutra direcção, e hoje em dia tudo isto me parece irremediavelmente distante.
O livro: um ensaio sobre as palavras de ordem do cinema em Hollywood e sobre a sua génese e expansão como sistema produtivo. É interessante a análise feita a partir de alguns exemplos de filmes e figuras-chave do início desta mitologia: Stroheim, Irving Thalberg, Otto Preminger ou Louis B.Meyer são alguns exemplos. Fica a sugestão, para os interessados em desmontar aquilo que hoje se apresenta como evidência: a hegemonia do modelo americano.

A Ordem no Cinema, vozes e palavras de ordem no estabelecimento do cinema em Hollywood, Lisboa, Relógio d’Água, 1997, 377pp.

PS: Gary Cooper não incluído.

DT Yamaha!


Se eu fosse o Serge Gainsbourg, fazia agora mesmo uma música sobre a minha DT Yamaha, com toda sensualidade pueril com que ele falou do seu adorado Ford Mustang. Quem me conhece há pouco tempo se calhar não me consegue imaginar em cima desta máquina, mas a verdade é que já fui considerado o motard lá do 105 das Camélias (não digo da rua, porque a concorrência era forte). Na minha 50, fiz toda a licenciatura, escapando ao trânsito matinal com graciosidade vingativa. Com uma única excepção, quando me espalhou mesmo em frente ao tribunal da Cordoaria, nunca me deixou ficar mal, apesar da negligência a que a minha incapacide na arte da manutenção a votava. Sei que cresci em cima do seu porte altivo e das suas cores indiscretas, com que frequentemente a tentavam rebaixar. Também foi nela que comecei o namoro, com o Venus agarrado às minhas costas (só mais tarde é que descobriu, com surpresa, que havia um pequeno suporte para segurar as mãos, atrás do banco). Enfiávamos a casa numa mochila e partiamos à descoberta do mundo (que nessa altura queria dizer parte do concelho de Gaia e a baixa do Porto). A bicha está agora esquecida numa garagem minhota, o que me destroça o coração. Talvez um dia a consiga resgatar, numa manobra digna de tira de banda desenhada: yaaaaa! bang bang! shabaaam! plock! wizzzzzz! wrrraaaaaammm...

Um mar de cravos


Iupi! Ainda conseguimos bilhetes para ver a Pina Bausch! :)

Aos amigos



Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enloquecem e estão sentados, fechando os olhos,
Com os livros atrás a arder para toda a eternidade…
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
Dentro do fogo:
-temos um talento doloroso e obscuro.
Construimos um lugar de silêncio.
De paixão


Herberto Hélder





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