Othelo nas Semi-finais
Um simples convite por telefone, e lá vou eu com a loira mais boticcellica do planeta ao teatro, shakespeare em pleno horário de semi-finais Portugal-Holanda. Palpita-me que vamos ser os únicos na plateia do são João! Eu também fico a torcer, mas por uma versão em que Iago e Othelo assumam de vez a sua paixão ardente (aquela tensão toda tem de vir de algum lado, não pode ser tudo por causa de uma tipa com nome de flora marítima..).
Entretanto, para banda sonora dos tempos que correm, dentro e fora de mim, só mesmo uma juventude sónica...
O Professor
Em todo o meu percurso escolar, longo e irregular – estamos a falar de 12 anos repartidos por 4 escolas, mais 8 anos a arrastar uma licenciatura até à sua conclusão – feitas as contas, devo ter conhecido uns bons 70 professores. Autoritários uns, chatos outros, interessantes, patetas, altos, feios e bonitos. Achava de todos eles, porém, uma mesma coisa: que existiam apenas na escola, como se tratassem não de pessoas mas sim de personagens que apenas entram em cena quando chega a sua deixa. Sempre estranhei encontrá-los fora do seu habitat, na rua, num cinema, ou pior, na praia ou num bar. Era como se repente algo no mundo se quebrasse, ou a minha própria relação com ele. Ainda agora, e apesar de já não ser estudante há 3 anos (se excluirmos a escola da vida e do trabalho), me constrangem esses encontros, e não tenho vergonha de admitir que fujo deles como se foge de um cão nervoso sem trela. Como há uns dias, ao acompanhar a minha mãe a uma consulta no hospital. Dou de caras con la maestrina de Sociologia Rural e Urbana, a conversar neurótica e alegremente ao telemóvel. Sem escapatória, encurralado num canto, lá tive que gramar durante pelo menos uma hora com aquele interminável relato íntimo (aaarrhg!), num volume que mim parecia próximo da vociferação.
À conclusão: os professores também ficam doentes.
Faz-me pensar... será que as minhas formandas também me vêm da mesma maneira? Lembro-me daquela vez em que me cruzei com elas, acabadinhas de sair de um espectáculo no Coliseu(cortesia da instituição), e eu a descer já um bocado acelerado pelo álcool a rua Passos Manuel, em direcção aos Maus Hábitos: "Olhó doutor!!!"
Socorro!! Eu sou o meu pior pesadelo!!
Polly Jean Harvey
Não consigo perceber como foi lá parar, mas a Nebbia encontrou forma de assistir na primeira fila a um concerto da PJH: procurem o post "A Noite Dela", de 27 de Junho, e liguem as colunas...
Para nos consolar quando a febre teima a não baixar ou simplesmente para nos abrir o apetite para Vilar de Mouros.
Madrid, olé!
Estava a responder a um mail de uma amiga que está esta semana em Madrid, a frequentar um curso. Tentava convencê-la a ficar lá até Domingo, para assistir ao Pride de Sábado, que desta vez parece, pelas previsões, que irá ultrapassar um milhão (1.000.000!!) de pessoas a desfilar. Até a mim me estão a dar umas ganas de participar! Alguém alinhava numa comitiva?
Esta altura é óptima, de Espanha sopram ventos de mudança e o alargamento aos países de leste precisa de ser acompanhado nesta temática (as alterações legislativas foram feitas, mas há um longo trabalho de sensibilização que precisa de ser feito, a acreditar nos inquéritos sobre atitudes).
Vejam lá, hoje fala-se em desfile, mas em 1969, junto ao bar Stonewall, tudo começou neste tom.
Queer as Folk na 2:
Depois de vários anos a ouvir falar na série televisiva "Queer as Folk", eis que ela chega à televisão portuguesa pela mão da 2: (este canal está a surpreender!). Parece que ainda não tem data marcada mas deve estar para breve... ;) Mais uma série para acompanhar atentamente.
Febre e o Levítico
Pois é, lá se foi ao ar um fim de semana na Galiza, com esta infecção na garganta e a febre resultante. Regressamos de Caminha, eu para me drogar com antibióticos e aspegics, o Venus para pôr em dia a necessidade de pastar em casa...
Entretanto, aproveito para dar os parabéns a todos e todas os que compareceram ontem na Marcha, nesta altura em que, entre outra febre, a do Euro, e as cambalhotas políticas dos últimos dias, é tão difícil fazer-se ouvir.
Chegou-me também este texto, sem indicação da origem (peço desculpas). Ora vejam lá...
Dúvidas bíblicas...
De homossexualidade & preconceitos (sob o nome de Deus como álibi!)
Recentemente, uma célebre animadora de rádio dos EUA afirmou que a homossexualidade era uma perversão: «É o que diz a Bíblia no livro do Levítico, capítulo 18, versículo 22: " Tu não te deitarás com um homem como te deitarias com uma mulher: seria uma abominação". A Bíblia refere assim a questão. Ponto final», afirmou ela.
Alguns dias mais tarde, um ouvinte dirigiu-lhe uma carta aberta que dizia: «Obrigado por colocar tanto fervor na educação das pessoas pela Lei de Deus. Aprendo muito ouvindo o seu programa e procuro que as pessoas à minha volta a escutem também. No entanto, eu preciso de alguns conselhos quanto a outras leis bíblicas.
Por exemplo, eu gostaria de vender a minha filha como serva, tal como nos é indicado no Livro do Êxodo, capítulo 21, versículo 7. Na sua opinião, qual seria o melhor preço? O Levítico também, no capítulo 25, versículo 44, ensina que posso possuir escravos, homens ou mulheres, na condição que eles sejam comprados em nações vizinhas. Um amigo meu afirma que isto é aplicável aos mexicanos, mas não aos canadianos. Poderia a senhora esclarecer-me sobre este ponto? Por que é que eu não posso possuir escravos canadianos? Tenho um vizinho que trabalha ao sábado. O Livro do Êxodo, capítulo 25, versículo 2, diz claramente que ele deve ser condenado à morte. Sou obrigado a matá-lo eu mesmo? Poderia a senhora sossegar-me de alguma forma neste tipo de situação constrangedora? Outra coisa: o Levítico, capítulo 21, versículo 18, diz que não podemos aproximar-nos do altar de Deus se tivermos problemas de visão. Eu preciso de óculos para ler. A minha acuidade visual teria de ser de 100%? Seria possível rever esta exigência no sentido de baixarem o limite? Um último conselho. O meu tio não respeita o que diz o Levítico, capítulo 19, versículo 19, plantando dois tipos de culturas diferentes no mesmo campo, da mesma forma que a sua esposa usa roupas feitas de diferentes tecidos: algodão e polyester. Além disso, ele passa os seus dias a maldizer e a blasfemar. Será necessário ir até ao fim do processo embaraçoso que é reunir todos os habitantes da aldeia para lapidar o meu tio e a minha tia, como prescrito no Levítico, capítulo 24, versículos 10 a 16? Não se poderia antes queimá-los vivos após uma simples reunião familiar privada, como se faz com aqueles que dormem com parentes próximos, tal como aparece indicado no livro sagrado, capítulo 20, versículo 14? Confio plenamente na sua ajuda.»
"Não diga que não vê"
Já saiu o segundo número do jornal Elgêbêtê. Para ler, reflectir e passar aos amigos.
O Corpo
Habituei-me, desde cedo, à actividade física. Primeiro com os meus amigos, com quem percorria desalmadamente a infância e brincava, de preferência até ficar esgotado. Seguiram-se aulas de natação no FCP e, mais tarde, a ginástica, onde aprendi a compreender o controle e a disciplina que podemos imprimir ao corpo. Ainda fiz duas pequenas temporadas no andebol, onde percebi que sou desprovido de espírito de competição; estrela nos treinos (onde corria mais do que todos e exibia um remate potente, ainda por cima esquerdino), apagava-me nos jogos, angustiado com o ambiente de viril batalha campal.
De qualquer das formas, ficou a necessidade de trabalhar o corpo. Sinto-me enferrujado com duas semanas sem exercício. No desporto lá vou procurando o vazio mental que me prepara para mais uns dias neste planeta. E o espelho agrada ao ego. Já estou como a outra: se eu não gostar de mim...
Um, dois, três
E se um dia um desconhecido num chat te propuser um trio, chegar a tua casa de mota, se despir e entregar ansiosamente o seu generoso corpo e se fôr embora com um sorriso, atrapalhado com as horas, deixando no ar o cheiro da sua cumplicidade?
Isso é impulse!
Vilar de Mouros
Por fim, em pleno veraneio fluvial na zona de Caminha (obrigado papás por nos cederem a casa por uns dias!) o mundo acaba por nos invadir o pensamento, apenas 3 ou 4 semanas antes de, uns metros aqui ao lado, invadir o próprio lugarejo a PJ Harvey, os Cure e o Bob Dylan. Motivo: uma reportagem, no número de Junho da Zero. Falava de uma Colômbia obscurantista, onde as próprias autoridades promovem a prostituição infantil e espantam à granada os transexuais; também falava de uma Espanha vizinha acolhedora, que aprovava o primeiro pedido de asilo por perseguição motivada pela orientação sexual, precisamente um activista colombiano que perdeu um braço numa carta armadilhada.
E Portugal, onde fica no mundo?
O Sol vertical foi secando a pele, mas não vi rapazes bonitos de calções para me tirar da cabeça aquele braço incompleto.
Dinossauros do amor e cavalos a galope
Então é assim: num livro podem-se reviver e sistematizar muitas experiências e pensamentos. O senhor Jean-Claude Kaufmann, bastante famoso no circuito da sociologia, decidiu que era interessante pegar na questão da vida a só, naquele que ele considera um fenómeno recente em termos históricos e que contem em si o germe de um novo paradigma da vida moderna. Em termos de vivência a só (que não é equivalente à vida solitária), ele distingue dois tipos de experiência, explorando sobretudo testemunhos de mulheres (há que fazer urgentemente o estudo dos homens neste campo; seremos assim tão mais predadores do que elas? e os meninos que anseiam pelos seus príncipes? será a mesma coisa?): por um lado, temos os dinossauros do amor, agarrados a uma ideia tradicional e romântica da relação a dois; viver sozinho, para estes, não é uma opção, resulta da ausência de alternativas; o sentimento predominante é, como seria previsível, a frustração e a eterna espera pelo príncipe encantado. Por outro lado, temos os cavalos a galope, verdadeiros profissionais da vida a só, que incluem a sua vivência afectiva numa dinâmica que envolve outros objectivos, como sejam a satisfação pessoal, profissional ou expressiva. A vivência, neste caso, é a de realização e exploração de horizontes. Reside neste modelo, claro está, o tal bichinho da revolução. De quê? Pois da vida doméstica, da intimidade e da vida a dois.
Diz ele. O livro chama-se “A mulher só e o príncipe encantado”, e é da Editorial Notícias.
Por onde ficaram os dinossauros a galope?
Saravá Keith Jarrett
Há coisas que nunca voltarão a ser como eram. O modo como ouvia música é uma delas. Ouvir música talvez não seja a expressão mais correcta. A música era o meu mundo. E eu entrava nele saindo do outro, o das pessoas e do dia-a-dia. Lembro-me de tentar descrever esta sensação à minha irmã, como se quisesse verificar se isto era a confirmação do que eu suspeitava: a de que o meu reino não era deste mundo, como disse o outro. A reacção dela foi ambígua: por um lado de estranheza, na voz; por outro, o seu olhar transpirava curiosidade: como era possível esquecer-me assim do que me rodeava? Onde posso aprender essa proeza?
Depois desse período, ficou-me uma paleta de sensações que procuro a cada novo som registado. Nunca fui um melómano disciplinado e não tenho paixões incondicionais.
Ainda assim, saravá Bowie, saravá Led Zeppelin, saravá Chick Corea, saravá Robert Smith, saravá Peter Murphy, saravá Morrissey, saravá Lou Reed, saravá Betânia, saravá Pixies, saravá Bach, saravá Satie, saravá Keith Jarrett.
Eles andam aí!
É verdade, os paraísos andam por aí e na maior parte dos casos mais perto daquilo que esperavamos! As Ilhas Cíes são um desses paraísos e a hora e meia de carro do Porto (mais 40 minutos de barco...).
Narciso e as mulheres maduras
Normalmente, tendo a ver sempre apenas o lado mau daquilo que faço. Como acredito que só podemos evoluir se acreditarmos naquilo que fazemos, tentei adoptar mais recentemente uma estratégia: carrego nos impulsos e não revejo aquilo que faço, para evitar deitar fora o que se pode mais cedo ou mais tarde até revelar importante. Daqui poderá surgir, um dia, quem sabe, qualquer coisa que realmente possa ter significado para outra pessoa, mas o que me tem acontecido pensar, nesta dinâmica, é que me transformo, paulatinamente, no narciso que aguarda, em cada um de nós, o baixar da guarda.
Ou seja, perdido por ser humilde, perdido por ser umbigo.
Quem me encontrasse na praia há uns dias atrás, apanhava-me a ler um livro de tias (com capa cor-de-rosa e tudo). Encontrei-o na Feira do Livro, e achei que podia ser engraçado para a minha mãe (a minha tia preferida), que se encontra em pleno período de mudança de trajectória (prestes a entrar na reforma, a menopausa onde já vai, com autonomia financeira e uma casa no campo, há muita coisa que se pode decidir nesta altura do campeonato). O livro chamava-se “Mulheres Maduras”(de Susan Swartz, Ambar), e no fundo é uma recolha de depoimentos bastante uplifting sobre a vida de uma série de mulheres, que a autora recolheu, compilou e articulou segundo áreas temáticas. Todas aquelas mulheres cinquentonas e sessentonas, que, com os filhos, matrimónio e carreira muito arrumadinhos decidem de repente romper com o passado e começam a realizar os seus sonhos verdadeiros de sempre, enterrados pelo rame-rame da sua vida adulta; fizeram-me pensar que não gostava de chegar àquela idade frustrado por não ter sequer tentado fazer agora aquilo que realmente me apetece. Com o empurrão precioso da Ju, lá peguei então nos meus sarrabiscos, preparei um cd com o portfolio, e fui com toda a latosa a uma editora apresentar o meu trabalho. Não sei se alguma vez isto dará nalguma coisa, e seguramente esta não será a única tentativa, mas já me sinto mais tranquilo por saber que pelo menos tentei.
Umbiguismos.
O Mundo
Num blog, como em qualquer outro acto de criação, sobretudo num blog de cariz mais pessoal e intimista como este, a tentação de, conscientemente, transmitir uma determinada (e dourada) ideia de nós próprios pode ser bastante grande. Essa tentação pode levar a que nos forcemos a reduzir as anotações centradas no ego e a comentar mais o que se passa à nossa volta, como seres eminentemente sociais e altruístas que queremos demonstrar ser. Estar aqui há 29 primaveras, contudo, ensinou-me, entre outras verdades, que o mundo é feito de muitas coisas, mas ninguém me tira da ideia que a substância maior desse bolo é a dor e a miséria. É por também ter provado parte dessa dor, e por saber que ela espreita ali sempre no próximo parágrafo que eu decidi tentar que nestas linhas ia surgir este Eu que me inquieta, mas que tem sobretudo a ver com este Eu recortado do mundo ou, mais correctamente (que este recorte, dizem os cientistas sociais, é impossível de operar) este Eu individual que está no mundo, mas que olha para si próprio.
Apenas um apontamento para tentar justificar este monólogo interior com que tento enganar o leitor.
Mar
No breve período em que vivi em Itália – oito meses mais uns mesitos pingados – penso que aquilo de que mais falta senti foi o mar. Foi engraçado (e assustador) perceber como podemos ser assim dependentes desse apelo do abismo aquático, desse infinito ondulante. Paradoxalmente, sair foi enraizar. Isto é, só percebi estando lá que já tinha lançado sementes por cá, em terras lusas, e precisava de as vir cultivar, deixar criar raiz, acarinhar e fazer crescer. Ainda hoje não sei de que cor serão e qual o sabor dos seus frutos, mas agora já posso dizer que valeu a pena tanta semana sem rissol e bacalhau.
A melhor foi que quando voltei, só passado quinze dias é que fui finalmente à beira-mar, como se o que me faltasse não fosse olhar mas somente estar próximo do oceano, como se dentro de mim habitasse um peixe melancólico.
O Nariz
Bem sei que há narizes de todos os tamanhos, cores e feitios. Mas uma coisa é conceber isso, constatar o óbvio no que nos rodeia. Outra coisa, completamente distinta, é aprender a viver com o nosso próprio nariz. A mim, o processo de aceitação dessa parte da minha anatomia perante a diversidade nasal da humanidade funcionou por etapas, a um ritmo bastante mais lento e atribulado do que tudo o resto: as borbulhas, os pêlos, o pénis, o cabelo; tudo, mesmo tudo, parecia mais fácil de aceitar do que essa enorme injustiça que é não ter um perfil discreto.
Quando, ainda hoje, a espaços, revejo o meu reflexo no vidro da janela (nunca percebi porquê, mas é nos comboios que isto mais me acontece) e a visão da penca volta a perturbar a minha auto-estima, é sinal de que preciso marcar urgentemente um jantar com os amigos.
Palavras e sensações
Sim... não... certo... errado... dúvidas... certezas... tristezas... alegrias... felicidade... infelicidade... palavras e sensações que têm ocupado a minha cabeça nos últimos tempos e que têm destabilizado a tranquilidade interior e bem-estar que várias pessoas reconhecem em mim.
Sono
Costumo pensar que em português existem muitas palavras para o mesmo significado, ao contrário, por exemplo, do inglês, que parece possuir uma economia de recursos tão grande que se serve do mesmo termo para designar vários sentidos. Nesta dinâmica o contexto é um factor explicativo fundamental. Daí o exemplo clássico da neve, que para os esquimós se traduz numa série de nomes (que designam a variedade subtil de gradações da água congelada, para nós imperceptível) ou o da comunidade de pais que luta para que exista uma palavra que traduza o sentimento ou a situação da perda de um filho (para estes, essa passa a ser a realidade mais fundamental, e não encontram um nome que lhe dê significado, que a localize no espaço e tempo social).
Entre o despertar e o sono, dizem os italianos, existe uma espécie de limbo a que eles chamam o dormiveglia. Nesse limbo, emerge frequentemente uma confusão entre a realidade e o que eventualmente possamos estar a imaginar, o plano realístico e o plano fantástico. Esta noite, foi nesse meio-sono que fizemos amor, um bocado sofregamente, como quando nos reencontramos ao fim de quinze dias de separação e abstinência. Ainda não percebemos o que se passou; um de nós (ou até ambos, ao mesmo tempo) podia estar em pleno devaneio erótico em sonhos, movimentando-se realmente, ou então era o clima da relação esta semana, a transpirar expectativa por novas e excitantes experiências, de que provavelmente voltarei a falar.
Seja o que for, abençoados italianos, por inventarem uma palavra para esta realidade.
Filosofia interior
Quando correm atrás delas num qualquer jardim ou praça de uma cidade, as crianças sabem que as pombas vão sempre conseguir escapar. Por isso persistem na perseguição, destemidas e embriagadas de alegria, não hesitando contudo em correr mais lentamente ou a fazer grandes desvios se os pássaros desaceleram o passo. À procura das metáforas encerradas nesta imagem, deparei-me com esta: não procuramos nós sempre aquilo que não podemos ter? Ou temos medo daquilo que realmente queremos? Correr é mantermo-nos vivos, embora não queríamos verdadeiramente alcançar o que procuramos?
Acontece-me às vezes surpreender-me a mim próprio. Nalgumas situações, de repente tomo uma atitude que contrasta completamente com a ideia tão cristalizada que tenho de mim próprio. Talvez tenhamos, afinal, ideias pré-concebidas, em primeiro lugar, relativamente a nós próprios.
Não sei qual é a relação disto com a história das pombas, mas tenho saudades dessas surpresas…
Respiração
Aos três anos de idade diagnosticaram-me asma. A minha infância foi um rosário de chiadeira e pigarreia, e sempre vivi com a ajuda dos meus amigos corticosteróides. Sempre respirei pela boca, o que quer dizer duas coisas: de noite, é baba quase certa na fronha (devia haver um subsídio de fronha para os pais de crianças com asma) e o olfacto é um sentido mais imaginado que exercitado.
Há um mês atrás, decidi acabar de vez com esta vida de velho e fui ao médico. Para mim o milagre da ciência é isto: acordar com a boca fechada e sentir nos lençóis o cheiro a sexo da noite anterior.
Talvez um dia ao falar não me perguntem se estou constipado e eu não sinta que as palavras me saem como que de dentro de um aquário vazio.
Para já dou-me por contente por descobrir que os coentros têm cheiro, e de que maneira!
Bom apetite
Depois de tantos elogios e solicitações, decidi publicar a receita que me inspirou na confecção das minhas quiches (quem já não provou?):
Ingredientes:
Massa (300g de farinha, 2 ovos, 125g de manteiga, 1dl de água, sal q.b.)
Recheio (1dl de azeite, 1 cebola, 1 dente de alho picado, 300g de carne de porco picada, 1 colher de café de caril, 0,5dl de vinho branco, 1 ramo de salsa, 2 ovos, 1dl de natas, 1 gema, sal q.b.)
1 - Prepare a massa, juntando a farinha, os ovos, a manteiga, a água e uma pitada de sal. Amasse bem e deixe descansar em local quente, durante meia hora.
2 - Entretanto, confeccione o recheio: aqueça o azeite; refogue a cebola e o dente de alho picado. Adicione a carne picada e tempere de sal. Deixe refogar um pouco; junte o caril e o vinho. Deixe reduzir e acrescente a salsa picada.
3 - Bata os ovos com as natas; misture no preparado da carne. Retire do lume e reserve. Ligue o forno a 180ºC. Estenda a massa e forre uma tarteira. Pincele o rebordo com a gema diluída em água.
4 - Recheie a tarte com o preparado de carne. Leve ao forno durante 40 minutos.
Não precisam de seguir à risca todas estas medidas... O resto é uma questão de prática e de elogios ;) Quando me convidam para comer as vossas tartes?
Campo
Regressamos periodicamente a Avintes. A ouvir os pássaros, a sentir pertinho o rio, as casas antigas, os quelhos, o cheiro a estrume e a terra batida, os arrufos da canzoada e o bailado dos gatos vadios. Para sentir de novo que houve uma altura em que todos vivíamos assim, e poucos persistiram no sonho. Eu já não tenho solução, sou irremediavelmente urbano. Mas ainda sorrio com e me deixo levar por um apelo adolescente que me atirava para o campo em projectos de futuro, numa experiência que imaginava próxima das extintas aldeias comunitárias: todos damos trigo e lenha para fazer o pão, hoje és tu que levas o gado a pastar, amanhã sou eu que cuido da estufa. Hoje em dia, o campo é uma bolha de nostalgia e não o consigo levar a sério. É como se fosse mais real o piche nas estradas do que a flor silvestre na berma do caminho.
Nucas
Um dos meus maiores fetiches é ficar a olhar para a nuca de um homem. O cabelo deve ser de preferência curto, pelo menos atrás, para se poder ver bem o movimento capilar (o brilho do cabelo, a forma como cai ou é penteado, os cortes, os conhecidos remoinhos), assim como as nuances da pele, a forma como os cabelos se separam ou não dos pêlos das costas, e os eventuais sinais que possam pontuar o cenário. Que perfeição singela e concentrada, como a evocação de uma meninice entretanto reconquistada por breves momentos (como quando pousamos a mão no cachaço de alguém em sinal de afecto amigo). Que combinação, também de promessas e fantasias, uma espécie de magia frequentemente quebrada com o simples rodar da cabeça.
Uma coisa é certa: quem vê nucas não vê corações, mas é por estas e por outras que eu chego sempre ao cinema minutos antes das luzes se apagarem.
Pancas.
Nomes de ruas
Tenho uma dificuldade absurda em decorar nomes de ruas. O problema é extensível a toda a complexa toponímia e geografia das estradas, IP’s, EN’s, IC’s, viadutos, cidades, vielas, becos, praças, pracetas, avenidas (tenho vergonha em acrescentar à lista países). Por outro lado, fico abismado com a quantidade de informação que involuntariamente registo na cabeça, que persistentemente me ocupa preciosos compartimentos dos meus arquivos mentais. Por exemplo, que contributo é que pode trazer à minha vida saber nomes de filmes, actores ou outros artistas cujo trabalho nem sequer conheço ou pretendo vir a conhecer? Exemplo: Gonzalo Rubalcaba é um pianista cubano; Ezra Pound é um nome de escritor; Brad Davis, o actor que personificou Querelle, na versão Fassbinder. Outros factos: Gasganete era o nome do gajo mau nos Estrumpfes; Mandrake era um mágico que combatia o mal em histórias de BD; Hermínia Silva era uma vedeta do teatro de revista.
Não terá muito mais utilidade saber que Costa Cabral é uma rua que fica junto ao Marquês, do lado oposto a Santa Catarina?
Trabalho
Hoje acordei puto da vida. Aquilo que eu temia e que aguardava já há meses finalmente aconteceu: a notícia do desemprego. Bem, não é propriamente uma novidade, já é velha de quatro meses; mas hoje, depois de muita resistência e acrobacia mental, a boa nova chegou cá dentro, onde o Eu trata o Eu por Tu.
Apesar do tempo livre, geralmente sinónimo de fossa para quem se vê repentinamente sem trabalho, durante este tempo tinha conseguido transformar esse vazio em liberdade. Racionalmente, pensava: ok, se tanto te queixavas de nunca ter tempo para fazer aquilo de que realmente gostas, de que estás à espera agora que te entregaram o tempo numa bandeja?
E, para ser franco, curti. Curti o tempo em si, ou o próprio controle que sobre ele finalmente podia voltar a ter, como antigamente, quando trabalhar era o pesadelo dos outros. Li, voltei a atacar o desporto, dediquei-me às mil e uma subtilezas enebriantes do dolce far niente.
E de repente atingiu-me como um raio a evidência: sem trabalho, qual o prazer em não trabalhar?
Ninguém diga que está bem...
Anjos na Televisão
Harper - Quem é você?
Prior - Quem é você?
Harper - Que está a fazer na minha alucinação?
Prior - Não estou na sua alucinação. Você é que está no meu sonho.
Harper - Você está maquilhado.
Prior - Você também.
Harper - Mas você é homem.
Prior - Arg!! As mãos e os pés denunciaram-me!
Harper - Deve haver aqui um engano. Eu não o reconheço. É... tipo o meu amigo imaginário?
Prior - Não. Já não tem idade para ter amigos imaginários, pois não?
Harper - Tenho problemas emocionais. Tomo muitos comprimidos. (...) É terrível. Os mormons não deviam ser viciados em nada. Eu sou mormon.
Prior - Eu sou homossexual.
Harper - Na nossa igreja, não acreditamos em homossexuais.
Prior - Na nossa igreja, não acreditamos em mormons.
Harper - Que igreja...
Prior - :)
Harper - :) Já percebi!
Angels in America - a nova série que estreou na passada 2ª feira, na RTP 2, e que vai-me fazer voltar a ligar a televisão, uma vez por semana.
Atrasos...
Ups... parece que cheguei atrasado... isto já começou há alguns dias mas só agora é que me dei conta. Vamos a ver se daqui para a frente corre melhor... ;)
Prometo que vou cuidar bem das orquídeas para que daqui a um ano floresçam de novo! E já agora, também das flores amarelas que tenho na varanda lá de casa. Vou esperar ansiosamente por esse momento. Entretanto vou escrevendo e partilhando o que se vai passando no meu mundo...
Olá, muito prazer e até qualquer dia!