Saravá Keith Jarrett
Há coisas que nunca voltarão a ser como eram. O modo como ouvia música é uma delas. Ouvir música talvez não seja a expressão mais correcta. A música era o meu mundo. E eu entrava nele saindo do outro, o das pessoas e do dia-a-dia. Lembro-me de tentar descrever esta sensação à minha irmã, como se quisesse verificar se isto era a confirmação do que eu suspeitava: a de que o meu reino não era deste mundo, como disse o outro. A reacção dela foi ambígua: por um lado de estranheza, na voz; por outro, o seu olhar transpirava curiosidade: como era possível esquecer-me assim do que me rodeava? Onde posso aprender essa proeza?
Depois desse período, ficou-me uma paleta de sensações que procuro a cada novo som registado. Nunca fui um melómano disciplinado e não tenho paixões incondicionais.
Ainda assim, saravá Bowie, saravá Led Zeppelin, saravá Chick Corea, saravá Robert Smith, saravá Peter Murphy, saravá Morrissey, saravá Lou Reed, saravá Betânia, saravá Pixies, saravá Bach, saravá Satie, saravá Keith Jarrett.
e sim; doi muito aceitar que aquilo que fica é, na melhor das hipóteses, a memória dessa visceral-idade.
- Mas o que eu gosto mesmo é de ouvir música clássica. A música clássica permite-nos deslocarmo-nos para outro lado para depois nos voltarmos a colocar...
Terei ouvido bem ou imaginei a frase que gostaria de ouvir sob o ensurdecedor barulho de fundo que cantava "Eu gosto dela trálálá"?