Spike e as lésbicas


Ontem, embora com alguma renitência pessoal, por saber que me estou a baldar a outros compromissos mas também pouco entusiasmado por causa das críticas, fui ver o novo filme do Spike Lee, um dos meus realizadores americanos preferidos. Tinha lido que "Ela odeia-me" fazia parte de um conjunto de obras estreadas mesmo antes das últimas eleições presidenciais e que, como tal, trazia consigo uma grande militância anti-Bush, que se percebe desde o genérico inicial, mas que se transforma ao longo do filme numa espécie de vontade de abanar consciências. E tanto assim é que acaba por se misturar no mesmo caldo uma miscelânia de tópicos, o que na minha opinião deita o filme a perder. Ainda assim vale a pena, sobretudo pela primeira hora, ao melhor estilo de Lee, febril e ambígua, a abrir portas a todos os cenários narrativos possíveis. Infelizmente, nunca apreciei desenlaces de tribunal. Soa-me sempre a recurso dramatúrgico simplista, como se um deus ex-maquina decidisse pôr cobro à confusão que reina entre os seus personagens, o que só lhes retira agência e os reposiciona sob um novo equilíbrio para apaziguar o olhar social. O paradoxo é que Lee explora de forma provocadora o que tem vindo a mostrar sempre na sua obra, e que é sempre confundido com o seu contrário: o questionamento das identidades culturais, sexuais, étnicas ou nacionais, acrescentando ainda, neste caso, o da orientação sexual (de uma forma arrojada e também militante). E que melhor lugar para descobrir os interstícios e defender a mestiçagem do que montado a galope nos estereótipos?

PS: curiosamente, esta cena com a curvilínea Monica Bellucci não aparece na versão a que assisti. Terão os europeus receio de ver assim a imagem da herdeira da linhagem de divas italianas?.

3 Comentários:

  1. Anónimo disse...
    Montado nos estereótipos ou encarreidao nos estereótipos? Para além do grandessíssimo bricolage que este filme é, parece-me que a figura da lésbica, longe de ser desconstruída nos seus estereótipos, é em grande medida construída através dele. Através de um olhar masculino, a roçar o machismo. Como se qualquer fufa o fosse porque, afinal, não havia era encontrado o homem certo. E sendo o sonho de muito homem que para aí anda, acabar com duas gajas boas que se comem uma à outra, para além de o comerem a ele, claro... Tive pena, mas de facto não gostei nada deste filme que é, também, de um dos meus realizadores preferidos...
    Major Tom disse...
    Não concordo contigo,e parece-me que é esse mesmo o tipo de confusão a que eu me refiro. Os personagens de Lee são estereótipos, mas a braços com as suas próprias contradições. Embora concorde que a resolução é um bocado pobre, não deixa de ser uma proposta interessante de reconfiguração familiar e, a meu ver, sem assimetrias de género.
    Pequenos Nadas disse...
    Mais um facto que nenhum de vcs pareceu notar, a insuficiência das lésbicas (pela forma como são apresentadas no filme)em não conseguirem engravidar pelos métodos naturais. Para ocorrer a gravidez elas só o conseguima quando tinham sexo com ele. E o facto de a reprodução em si ser sempre um objectivo de vida das mulheres. Em parte concordo contigo galo mas o filme tb acabava por criar e desmontar os estereótipos.

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